Meus voos com Eduardo Campos
(por: Daniela Ribeiro – Revista Piauí)
Entre abril e junho, viajei com o candidato Eduardo Campos e seus assessores em inúmeras ocasiões. Passamos por várias cidades do país no jatinho da campanha, mas também em vans, carros e ônibus alugados. O avião apertado, de apenas seis lugares, os bancos de couro cor de creme e o mobiliário de madeira escura com detalhes dourados davam a impressão de estarmos numa versão miniaturizada de Las Vegas. Eu brincava que já tinha andado em jatinhos melhores na vida – como o do cartola Ricardo Teixeira, ex-presidente da Confederação Brasileira de Futebol, ou o usado pelo pastor evangélico Silas Malafaia, que eu também havia perfilado em reportagens para a piauí. Campos respondia com humor: o seu Partido Socialista Brasileiro era tão coerente que até o avião tinha “um ar socialista”. Ao que parece, não era a mesma aeronave de doze lugares que caiu hoje pela manhã em Santos.
Nas viagens de que participei estavam sempre o secretário particular, Rodrigo Molina (ausente do fatídico voo), o assessor de imprensa, Carlos Percol, e um dos principais assessores da campanha, o ex-deputado Pedro Valadares, a quem eu conhecia havia mais de vinte anos. Como Campos, os dois morreram na tragédia, ao lado do fotógrafo Alexandre Severo, do cinegrafista Marcelo Lyra e dos pilotos Marcos Martins e Geraldo da Cunha.
Desde a primeira viagem de campanha, Pedro Valadares colecionava fotos dos passageiros dormindo no avião. Mostrava, orgulhoso, os flagras constrangedores armazenados no celular. Um deles babando, outro com o botão da camisa desabotoado na altura do umbigo, um terceiro de boca aberta. Gravara, inclusive, alguns roncos dos viajantes. A ideia, ele dizia em tom jocoso, era produzir um vídeo com as melhores babadas da campanha. Ironicamente, ele era de todos o que mais dormia.
Com quase 1,90 de altura, Campos encurvava todo o corpo, mas quase sempre dava uma topada com a testa no teto do avião antes de se acomodar na primeira cadeira do lado esquerdo. Quando eu estava junto, ele pedia para eu me sentar à sua frente, de modo que pudéssemos nos ouvir melhor. Mas o espaço não era suficiente para os dois pares de pernas. Ele então se colocava na diagonal da cadeira, esparramando as próprias pernas pelo corredor estreito.
Sempre reclamava da comida a bordo. “De novo esse sanduíche safado? Quando é que esse partido vai melhorar e vai comprar pelo menos um micro-ondas para pôr nesse avião?”, dizia, fingindo indignação. Ir ao minúsculo banheiro, no fundo da aeronave, só em caso de muito aperto. A porta era fina como um papel. Rodrigo Molina viajou sentado na tampa do sanitário em uma ocasião para me ceder lugar no voo. O candidato usava as viagens para despachar, mas era também quando se transformava no centro das atenções. Comandava o arsenal de histórias e casos hilários, contados com picardia, e costumava brindar os passageiros com imitações de sotaques, tons de voz e expressões típicas do retratado. O de Dilma Rousseff era um must; o de Roberto Amaral, vice-presidente do PSB, outra pérola. Mas a imitação de Lula mereceria um Oscar.
Uma vez, quando estávamos no quinto compromisso do dia, embarcando para Campina Grande, na Paraíba, ele me perguntou: “Tu tem gêmea?” Fiz cara de quem não havia entendido. “Porque para onde eu olho tem uma de tu me seguindo”, falou, emendando uma gargalhada muda com os enormes olhos azuis cor de piscina arregalados. A equipe da campanha costumava ser muito bem-humorada. “Amiga, me passa o amendoim”, pedia Valadares a Percol, que devolvia com um “só se você pedir com amor, colega!” Seguia-se uma gaitada geral no avião.
Em uma ocasião, fiz uma foto de Campos enquanto ele ouvia, com o celular colado na orelha, o discurso de um vereador sergipano que falava abobrinhas, numa performance de humor involuntário. Seguiram-se mais quatro ou cinco vídeos com piadas. Aquele era um grupo que visivelmente se gostava. Pareciam todos genuinamente satisfeitos com que estavam fazendo. Como Campos se benzia antes de levantar voo, perguntei certa vez se tinha medo de avião. “E quem não tem, oxe?”, respondeu, logo acrescentando que quem medrava de verdade era o “argentino”, referindo-se ao marqueteiro Diego Brandy. Durante as turbulências, quando todo mundo dava aquela ajeitada na cadeira e olhava para fora da janelinha, Campos se mantinha impassível.
Da última vez que nos vimos – durante a convenção que lançou sua candidatura à Presidência, no final de junho, em Brasília –, tenho viva a imagem de sua família na primeira fila do evento, ouvindo atenta o discurso do candidato. Os filhos – ainda tão jovens – comentavam entre eles as frases do pai, sorriam, aplaudiam e acenavam para os correligionários. Ao lado deles, sua mulher Renata, que segurava o caçula no colo, seguia vidrada na figura do marido.
Ontem à noite, troquei mensagens com Carlos Percol depois da entrevista que o candidato concedeu ao Jornal Nacional, da Globo. Comentei que Campos havia se saído bem. Na última das mensagens, Percol respondeu com a figurinha de um polegar em riste. Foi para o número dele que passei a ligar com insistência assim que começaram os boatos do acidente hoje pela manhã. Em seguida, tentei muitas vezes o celular de Valadares. Caíram todos na caixa postal.
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