O legado dos cinco primeiros anos de Francisco, o Papa “que desceu do trono”
(fonte: G1)
Logo após o “habemus papam”, naquela noite de 13 de março de 2013 em Roma, o sorridente cardeal Jorge Bergoglio apresentou-se para uma Praça São Pedro lotada. Havia se tornado, então, papa Francisco, o 266º sumo pontífice da Igreja Católica. “Parece que meus colegas foram buscar um papa no fim do mundo”, disse ele, em referência à sua Argentina natal.
Bom humor à parte, Bergoglio assumia uma Igreja em crise – em meio a diversos escândalos de pedofilia do clero, com divisões internas e perdendo fiéis e popularidade em todos os cantos do mundo – e após uma histórica renúncia, já que Bento 16 foi o primeiro pontífice a abdicar do trono de Pedro em quase 600 anos.
Sua eleição, por si só, foi repleta de ineditismos. Pela primeira vez, a Igreja Católica tem um líder latinoamericano. Pela primeira vez, um jesuíta. E, pela primeira vez, alguém adotava o nome Francisco – sugestão dada a Bergoglio pelo seu colega brasileiro, o cardeal emérito de São Paulo d. Claudio Hummes, que pediu a ele que não se esquecesse dos pobres.
Passados cinco anos, as crises da Igreja permanecem prementes, com um papado ainda exercido sob a sombra das acusações de abusos sexuais contra sacerdotes. Isso, junto com a resistência a mudanças e lutas de poder entre bispos, padres e cardeais, torna Francisco um alvo frequente de hostilidades dentro e fora da Igreja.
Mas defensores argumentam que o papa imprimiu à conservadora instituição uma personalidade mais carismática, além de se envolver em questões mundiais urgentes: publicou uma encíclica em defesa da ecologia, fala com frequência em defesa dos refugiados da crise imigratória e intermediou a histórica retomada da diplomacia entre os Estados Unidos e Cuba.
“Francisco trouxe para a Igreja uma visão revigorante, interessante e atraente. Enquanto outros papas se concentraram na aplicação de regras ou normas doutrinárias, ele tenta atrair as pessoas para a mensagem primordial: uma Igreja que espalha a boa-nova de Jesus por meio do encontro, do diálogo e do testemunho”, analisa o vaticanista Joshua J. McElwee, autor de livros sobre o atual papa. “Muitos católicos têm achado essa visão convidativa.”
O teólogo e filósofo Fernando Altemeyer Junior, professor do Departamento de Ciência da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), avalia que “os cinco anos do pontificado de Francisco são um bálsamo de oxigênio para os cristãos, e braços abertos aos outros crentes e mesmo aos ateus que buscam a verdade e a justiça no mundo.”
“Francisco não veio repetir fórmulas e enrijecer respostas obsoletas e caducas. Francisco veio propor algo novo, como pastor da esperança e da alegria, especialmente aos jovens, aos migrantes e às famílias.”
Visão pastoral
O papa insiste que o seu papel é pastoral, lembra o jornalista Filipe Domingues, que acompanha de Roma o atual pontificado desde o início. “Isso quer dizer que ele vê o bispo, o padre, como um pastor que guia um rebanho. E quando uma ovelha se perde, o pastor deixa todas as outras e vai atrás daquela ovelha perdida”, explica.
“A sua visão de Igreja, quando fala de misericórdia, de acolher os mais fracos, de não forçar uma visão idealizada da família, de pensar no ambiente em que vivemos, que foi doado por Deus e, se não cuidarmos do ambiente prejudicamos em primeiro lugar os mais frágeis da sociedade… Tudo isso é guiado por uma visão pastoral, muito próxima das pessoas.”
Mestre e doutorando em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, Domingues ressalta que Francisco foi escolhido, “antes de mais nada, para conduzir uma reforma”.
Isso porque a renúncia de Bento 16 permitiu que os cardeais tivessem cerca de um mês para conversar abertamente sobre os problemas da Igreja – antes mesmo de entrar no conclave.
“Bergoglio foi eleito, claramente, com o objetivo de realizar uma ‘reforma de gestão’, de forma colegial e não autoritária. Por isso, foi criado o conselho de cardeais e uma série de mudanças administrativas foram feitas na Cúria Romana”, diz ele.
“Ainda não temos clareza de quais serão os efeitos disso na prática. É um processo lento e sem respostas de curto prazo. Deve continuar no pontificado do próximo papa, com certeza.”
Denúncias de abusos
O ponto mais delicado de seu papado, porém, continua sendo a avalanche de acusações de pedofilia contra sacerdotes católicos, como evidencia a hostilidade enfrentada por Francisco em sua recente visita ao Chile – país onde um bispo nomeado pelo papa é acusado de ter acobertado um padre condenado por abusos sexuais.
“Ele próprio já se perguntou recentemente se está reagindo adequadamente aos casos de abusos sexuais por parte do clero”, comenta McElwee. “Viajei com Francisco durante sua visita ao Chile, em janeiro, e ficou muito claro que muitas pessoas estavam desapontadas com sua defesa do bispo (acusado de acobertar o caso)”.
No ano passado, o jornalista italiano Emilio Fittipaldi, autor de livros sobre o Vaticano, afirmou em entrevistas que “Francisco não defende diretamente os pedófilos, mas fez quase nada para combater o fenômeno da pedofilia (na Igreja)”.
Domingues acredita que o tema é o ponto fraco do pontificado de Francisco. “Às vezes a questão é tratada como mais um problema, como os outros. Este não é um problema como os outros. É um dos problemas mais graves na história da Igreja e existe em todo o mundo, dentro e fora da Igreja”, diz. “É algo a ser abominado e expurgado da Igreja com todas as forças – não pode ficar parado em burocracias e lutas internas de poder.”
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