Aos jovens ricos, benevolência. Aos pobres, pelourinho e bala
(escrito por: Leonardo Sakamoto)
OPINIÃO ///
Antes de mais nada, este não é um texto conclamando ao linchamento desses jovens. Isso seria de uma idiotice sem tamanho. Nem é sobre eles, a bem da verdade. Mas sobre o fato de que a classe média alta, na qual, eu, caviar, me incluo, demonstra reações diferentes dependendo dos envolvidos na história. Vamos por partes. Os repetidos casos de violência gerados por jovens da classe média alta brasileira e a forma aviltante com a qual têm sido tratados adolescentes negros e pobres nos morros e periferias me deixam incomodado.
Sabemos que é mais fácil uma pessoa que foi acusada de roubar um xampu, um litro de leite ou meia dúzia de coxinhas ir amargar uma temporada no xilindró – como mostram diversos casos que já trouxe aqui – do que um empresário que corrompeu passar uma temporada fora de circulação.
Não que o princípio da insignificância (que pode ser aplicado quando o caso não representa riscos à sociedade e não tenha causado lesão ou ofensa grave) não seja conhecido pelo Judiciário. Insignificante mesmo é quem não tem um bom advogado, muito menos sangue azul ou imunidade política. Ou a benevolência de determinados jornalistas.
Tempos atrás, a seguinte notícia veio a público: “A empregada doméstica Sirley Dias de Carvalho Pinto, de 32 anos, teve a bolsa roubada e foi espancada por cinco jovens moradores de condomínios de classe média da Barra da Tijuca, na madrugada de sábado. Os golpes foram todos direcionados à sua cabeça. Presos por policiais da 16ª DP (Barra), três dos rapazes (…) confessaram o crime e serão levados para a Polinter. Como justificativa para o que fizeram alegaram ter confundido a vítima com uma prostituta.”
Os rapazes não eram da ralé. Se fossem de classe social mais baixa, certamente o texto seria sutilmente diferente: “A empregada doméstica Sirley Dias de Carvalho Pinto, de 32 anos, teve a bolsa roubada e foi espancada por cinco moradores da favela da Rocinha, na madrugada de sábado. Os golpes foram todos direcionados à sua cabeça. Presos por policiais da 16ª DP (Barra), três dos bandidos (…) confessaram o crime e estão presos. Como justificativa para o que fizeram alegaram ter confundido a vítima com uma prostituta.”
Rico é jovem, pobre é bandido. Um é criança que fez coisa errada, o outro um monstro que deve ser encarcerado, quando o tratamento deveria ser igual aos dois. Lembro que o pai de um deles, num momento de desespero, justificou a atitude do filho como sendo perdoável. Da mesma forma, o pai de um dos jovens que agrediram homossexuais com lâmpadas fluorescentes na avenida Paulista, em São Paulo, pediu condescendência. Afinal, isso não condiz com a criação que tiveram. Bem, são pais, é direito deles.
O incrível é como a sociedade encara a situação, com uma diferenciação claramente causada pela origem social e cor de pele. Tenho minhas dúvidas se a notícia sairia se fosse o segundo caso. Provavelmente, na hora em que o estagiário que faz a checagem das delegacias chegasse com a informação, ouviria algo assim na redação: “Pobre batendo em pobre? Ah, acontece todo dia, não é notícia. Além disso, é coisa deles com eles. Então, deixem que resolvam”.
A estrutura de uma notícia depende, infelizmente, de que classe social pertence os protagonistas. Somos lenientes com os nossos semelhantes, com aqueles que poderiam ser nossos primos e irmãos, e duros com os outros. E como somos nós que controlados a nossa democrática mídia… Não estou pedindo o nivelamento por baixo, mas por cima. Não é juntar os mais ricos à fogueira da vingança em praça pública, mas tirar os mais pobres dela e garantir-lhes justiça.
Na prática, as pessoas envolvidas nesses casos apenas colocaram em prática o que devem ter ouvido a vida inteira: que eles podem porque nasceram bem. Já putas, bichas, índios, mendigos, pessoas em situação de rua e remelentos em geral são a corja da sociedade e agem para corromper os nossos valores morais e tornar a vida dos “cidadãos de bem” um inferno. Seres descartáveis, que vivem na penumbra e nos ameaçam com sua existência, que não se encaixa nos padrões estabelecidos. E por que não incluir nesse caldo as empregadas domésticas, que existem para servir? Se eles soubessem a profissão de Sirley, teria feito diferença?
A sociedade tem uma parcela grande de culpa em atos como esse e os dos jovens que se tornam soldados do tráfico por falta de opções e na busca por dignidade, fugindo da violência do Estado e do nosso desprezo. A diferença é que, para os da classe média alta e alta, a construção da narrativa passa por onde deveria passar: devemos reintegrá-los para que tenham uma vida adulta plena e produtiva. Afinal, são “jovens”. Para os pobres, os “menores”, é pelourinho e bala.
Portal voltado principalmente para Surubim & Região, por meio de notícias e opiniões. Mas também direcionado para assuntos relevantes no restante do Brasil e do mundo em geral.