Mulheres quebram tabus nos grupos de carnaval
(Especial: Diário de Pernambuco)
Enquanto a banda se organizava sobre o palco, Carmem Pontes se impressionou ao perceber que um músico de outro grupo conferia se a Orquestra de Frevo Cem Por Centro Mulher era mesmo formada exclusivamente por mulheres. Respirou fundo e conduziu o show, acostumada àquela “vistoria” repetida em outras ocasiões. “Sempre perguntam se nos apresentamos com as próprias vozes e instrumentos ou se usamos play back”, conta a maestrina, que também toca clarinete na Banda Sinfônica do Recife. Ela diz que muitos ainda não acreditam no feito – uma orquestra composta somente por mulheres – e que a iniciativa geralmente é considerada uma ousadia.
Os obstáculos vão desde a desconfiança – uma mulher consegue tocar instrumentos pesados como trompa e trompete? – até propostas de cachês mais baixos do que os oferecidos a grupos formados por homens, segundo Carmem. Mas elas não cogitam deixar os palcos e persistem, carnaval após carnaval. Para que a trupe sobreviva, Carmem chega a abrigar mais de dez meninas em sua casa, recém-chegadas à capital pernambucana. Assim como ela, outras comandam organizações carnavalesco-musicais compostas apenas por mulheres. A poucos dias do carnaval, quando esses grupos ganham os holofotes e engavetam preconceitos, o Viver revela as histórias e desafios dessas mulheres, que atuam do frevo ao maracatu.
Voz Nagô
Fruto de uma iniciativa do músico Naná Vasconcelos no carnaval de 2009, o grupo nasceu com objetivo de acompanhá-lo na abertura da folia de Momo no Marco Zero, Centro do Recife. Junto à Prefeitura do Recife, Naná buscou uma lista de cantoras e instrumentistas que trabalhassem com música pernambucana de descendência afro. “A iniciativa ganhou novas proporções e passamos a nos apresentar em shows esporádicos, não somente no carnaval”, conta Nalva Silva, líder do grupo. Uma pedagoga, uma cabeleireira, uma técnica em enfermagem. Todas têm empregos paralelos à agenda da banda, sempre difícil de conciliar. Planejam gravar o primeiro disco até o fim do ano, e durante esta semana acompanham Naná nos ensaios para a abertura oficial do Carnaval 2015.
Orquestra Cem Por Cento Mulher
Criado em 2003, o grupo é comandado pelas amigas Carmem Pontes e Elizabeth Bezerra, ambas integrantes da Banda Sinfônica do Recife. Os ensaios começaram em agosto daquele ano e o grupo, inicialmente formado por 15 meninas, ganhou as ruas e ladeiras pernambucanas no carnaval seguinte. Em 2005, conseguiram espaço no Baile dos Artistas, acompanhando o músico Edson Cordeiro. Hoje são 20 mulheres para shows de palco e 30 para shows de rua. Fora do período carnavalesco, se apresentam em eventos particulares, como casamentos e formaturas. “O preconceito impede que tenhamos o devido reconhecimento”, diz Carmem, que reclama dos cachês irrisórios que são oferecidos à banda, segundo ela. A cada ano recrutam novas integrantes, muitas delas vindas de cidades do interior do estado. Na falta de moradia, se hospedam na casa de Carmem por tempo indeterminado e recebem ajuda da maestrina e de Elizabeth para conseguir instrumentos próprios – outros são emprestados por escolas e até entidades religiosas.
Maracatu Coração Nazareno
Fundado pela Associação das Mulheres de Nazaré da Mata (AMUNAM), no interior de Pernambuco, o Maracatu Coração Nazareno funciona no pequeno ateliê da instituição. Comemora 12 anos de existência no dia 8 de março deste ano – o grupo foi propositalmente criado no Dia Internacional da Mulher. O intuito era inserir mulheres atendidas pela ONG no cenário dominado por homens, lhes concedendo os papéis de mestra, contramestra, rainha, musicistas, baianas e valetes. São 72 integrantes, com faixa etária entre oito e 80 anos. O grupo coleciona dois CDs, o primeiro lançado em 2007. Durante todo o ano, oferecem oficinas gratuitas para produção de golas, estandartes e chapéus. A história do maracatu foi registrada em documentários independentes, como A mulher no maracatu rural, da historiadora Tamar Thalez.
Maracatu Baque Mulher
Com as cores rosa e laranja, o Maracatu Baque Mulher funciona no Pina, Zona Sul do Recife, sob o comando da Mestra Joana, que o fundou com o intuito de reunir mulheres do bairro que tivessem afinidade com os ritmos afro. “Estamos ligadas à resistência da cultura afro-descendente em Pernambuco e também à resistência das mulheres”, explica a mestra, que apita ainda o tradicional Maracatu Encanto do Pina. Além das apresentações durante o carnaval, a trupe organiza gincanas, oficinas e ensaios na sede da agremiação. “O Baque Mulher não prega rivalidades, mas considera importante mostrar que as mulheres têm as mesmas condições musicais de tocar tambores que têm os homens”, explica. Maridos, namorados e irmãos das integrantes acompanham os desfiles como apoiadores.
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