Mães fazem malabarismos para driblar a falta de creches

Desde que foi mãe, há seis anos, Aline Tavares, 26, passou a ser uma triatleta. Sozinha, ela encara a maratona diária de estudar, trabalhar e educar o filho. Há dois anos e meio, durante um período de dificuldade financeira, Aline precisou dispensar o hotelzinho particular. Sem ter onde deixá-lo e evitando trancar novamente o curso de design, passou a levar o filho para a sala de aula. Já a empregada doméstica Ana Cláudia França de Lima, 36, não tem com quem deixar a filha de dois anos quando a creche está lotada.

Ela chega com duas horas de antecedência na porta da instituição para garantir a vaga e quando não tem jeito, aperta a renda de um salário mínimo para que alguém fique com a criança. A dificuldade enfrentada por Aline e Ana Cláudia é a mesma para outras milhares de brasileiras, assim como seus desdobramentos. Segundo o Censo de 2012 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 41,2% das mulheres cujos filhos de até três anos não estavam matriculados em creche tinham um emprego.

Os filhos de Josenira e Ana Cláudia ficam na mesma creche e elas sofrem com a falta de pessoal e com o fato de precisar chegar muito cedo para garantir a vaga do dia. Foto: Júlio Jacobina/ DP/ D.A.Press

Os filhos de Josenira e Ana Cláudia ficam na mesma creche e elas sofrem com a falta de pessoal e com o fato de precisar chegar muito cedo para garantir a vaga do dia. Foto: Júlio Jacobina/ DP/ D.A.Press

Entre as mulheres que tinham filhos frequentando as creches, 64% estavam empregadas. Um levantamento feito pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) e pelo Ministério da Educação, também em 2012, mostrou que somente 24,2% das 10,3 milhões de crianças de até três anos estavam matriculadas em creches.

A aula da filha de Ana Cláudia só começa às 7h30, mas às 5h30 uma tia chega para garantir a vaga do dia. Por mais de uma vez, Ana Cláudia se deparou com as grades fechadas. Isso porque as crianças são acompanhadas por uma Auxiliar do Desenvolvimento Infantil (ADI), que fica responsável por até sete crianças. Se alguma profissional faltar, naquele dia não haverá vagas para todas as crianças matriculadas.

“Sem ninguém ligar para avisar antes, uma palhaçada”, reclama a doméstica. “Uma vez tive que trazer (a criança) para o trabalho, mas foi muito ruim, aí levei para a casa de uma tia. Fiquei muito chateada nesse dia. Preciso da creche. Querendo ou não, moro em um lugar perigoso e com minha filha na creche é mais seguro para ela para mim”, explica.

“Esse auxílio, seja como for, influencia positivamente na produtividade da funcionária. Ela está ali, mas vai estar integralmente ligada ao filho e fica mais tranquila se ele estiver em um local seguro. Se a empresa traz para si a responsabilidade, é um compromisso com a qualidade de vida do funcionário, é uma forma de humanizar. Além disso, é uma forma de incluir a mulher e promover a igualdade”, avalia a procuradora do trabalho, Jailda Pinto.

Josenira Nascimento, 23, tem um filho matriculado na mesma creche de Ana Cláudia e denuncia que a situação se agrava como uma bola de neve. “Não tem gente suficiente. Elas dizem que foi feito um concurso, mas as pessoas não foram chamadas. As que estão lá saem sempre de licença médica, o que é claro, já que estão sobrecarregadas. Muitas são meninas, de ensino médio, que nem podem ficar sozinhas com as crianças”, conta a estudante de direito, que já precisou voltar para casa com o filho algumas vezes. “Posso me dar ao luxo de perder uma aula. Mas já teve semana do meu filho voltar dois dias. E as outras mulheres que não têm opção?” .

Era o caso de Aline Tavares, que chegou a trancar o curso de design, que deveria ter sido concluído no primeiro semestre de 2013, para ficar com o filho. Interromper os estudos deixou de ser uma opção quando o garoto passou a acompanhá-la nas aulas algumas vezes. No começo deste ano, a alternativa virou rotina e um dia na semana ele passa a tarde na faculdade com a mãe. “Não foi uma coisa planejada, foi acontecendo. Os professores têm sido bem compreensivos e ninguém da instituição nunca reclamou de nada”, conta a estudante, que acredita que o comportamento tranquilo do filho colabora com a aceitação de professores e colegas de classe. “Eu não tinha como contar com creche, não me enquadrava nos critérios socioeconômicos para receber auxílio e não tinha com quem deixar. Se tivesse tido esse suporte, teria feito toda diferença”, diz.

A professora de Aline, Elizete Coelho, pondera que a exceção não pode ser generalizada. “Na verdade a gente não poderia fazer isso se fossem várias crianças. Também não seria possível se ele não fosse uma criança que fica quieta. Ajudo porque sei que é importante. Sem isso, talvez ela nem conseguisse se formar”, explica. Para o professor e antigo coordenador do curso, Josenildo Barbosa, ajudar é uma forma de tentar equilibrar a falta de assistência. “ Já tive outras alunas que traziam uma vez ou outra e nunca tivemos problemas com isso. Algumas vezes algumas professoras também precisam trazer porque não têm apoio. Às vezes eu mesmo também trago se não tiver onde deixar. Acho que a instituição poderia ter um ambiente para oferecer”, defende.

Assim que a filha nasceu, há oito meses, a funcionária do Hospital das Clínicas, Karina Melo, 38, entrou na lista de espera da creche que reserva metade das 95 vagas para empregados da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Agora seu nome é o primeiro da lista, mas a espera ainda pode levar meses. Enquanto não é chamada, Karina conta a sogra e a mãe, que viaja 83 quilômetros de Vicência ao Recife, para ficar com a criança três vezes na semana.

“Sinceramente, eu nem estava mais contando com a creche, imaginei que nem iam chamar. Ainda bem que posso contar com a família. No HC tem outras quatro mulheres que tiveram bebê no mesmo mês e todas passam, de alguma forma, pelo mesmo problema”, conta.

Adolescentes

A professora e pesquisadora Thaynah Leal Simas, 23, acredita que é preciso dar atenção especial às adolescentes. “Em Pernambuco, são cerca de 30 mil meninas grávidas em idade escolar. Essas meninas, até pela estrutura socioeconômica na qual estão inseridas, precisam trabalhar e muitas não continuam seus estudos. E o que o poder público faz para mantê-las, para que ao menos terminem a educação básica? É tudo paliativo, não existe atenção específica para elas”, critica.

“Nos Estados Unidos, as meninas podem mudar o horário da aula. Na Inglaterra, elas têm creche na própria escola e no período da amamentação elas saem e voltam. Aqui é defasado e não falamos de poucas meninas. Em 2002 eram 18 mil adolescentes grávidas em Pernambuco e em 2011, eram 30 mil, que a gente nem sabe se vão continuar a estudar, se vão conseguir terminar.

E os meninos também. Quando assumem a responsabilidade do filho e vão trabalhar, são empregos de mais de oito horas, porque não têm qualificação. Isso acaba gerando evasão escolar. E as próprias turmas de Educação de Jovens e Adultos não estão lotadas e a frequência é baixíssima”, ressalta.

(fonte: Diário de Pernambuco)

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