STF abre discussão sobre a legalidade das vaquejadas
(fonte: O Globo)
BRASÍLIA – Nem Lava-Jato, nem liberação das drogas. O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar nesta quarta-feira, dia 12, se proíbe ou não a vaquejada no Ceará. A festa tradicional consiste na tentativa de dois peões montados a cavalo em derrubar um boi pelo rabo. De um lado, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, quer proibir a prática. Alega que o tratamento cruel dispensado aos animais ofende a Constituição Federal. Do outro lado da disputa, está o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro. Conhecido por Kakay, o criminalista costuma defender corruptos famosos. Desta vez, ele representou a Associação Brasileira de Vaquejada.
“O que se pretende é preservar a integridade do boi, preservar a integridade do cavalo” — declarou o advogado. O caso chegou à corte em uma ação na qual Janot questiona uma lei cearense que regulamentou a vaquejada no estado. Acostumado a atuar em causas grandiosas, Kakay iniciou sua sustentação oral dizendo ser “um homem da roça”.
Contou que seu pai era boiadeiro em Minas Gerais e, no início, chegou a considerar a vaquejada uma injustiça contra os animais. Depois, mudou de ideia e passou a considerar uma prática cultural importante para incrementar as tradições e a economia nordestina. Ele afirmou que são realizadas quatro mil vaquejadas por ano no Brasil e que, depois do futebol, é o esporte com maior público no país.
“A lei visa regulamentar, impedir que haja abuso e proteger os animais. Se tirarmos essa lei do mundo jurídico, a vaquejada vai continuar existindo, sem nenhum controle” — ponderou Kakay. Janot, por sua vez, viveu hoje um parêntese em sua dedicação à Lava-Jato e fez uma defesa emocionada do fim da vaquejada no plenário do STF. Ele comparou a prática à rinha de galo e à farra do boi — que a corte proibiu, em julgamentos anteriores.
“A evolução do processo civilizatório não é indolor, nos importa vencer situações consolidadas pelo tempo. Lembraria duas situações igualmente fortes que a jurisprudência tem evoluído nesse sentido: as corridas de boi e as brigas de rinha de galo. No que se refere à vaquejada, entende o Ministério Público que é chegado o momento de darmos mais um passo e evoluir no processo civilizatório brasileiro” — apregoou.
O julgamento não chegou a ser concluído. Foi interrompido por pedido de vista do ministro Luís Roberto Barroso. O relator, Marco Aurélio Mello, concordou com Janot e defendeu o fim das vaquejadas por conta do tratamento cruel aos bovinos. Ele disse que, puxado pelo rabo, o animal pode sofrer fratura nas patas, ruptura de ligamentos e até o arrancamento do rabo, resultando em comprometimento da medula espinhal. Ele também contou que, antes de entrar na arena, o boi é provocado e pode até levar choques.
“Inexiste a mínima possibilidade de um boi não sofrer violência física e mental, submetido a esse tratamento” — protestou Marco Aurélio. Gilmar Mendes e Edson Fachin votaram pela continuidade da festa no Ceará, por considerarem uma riqueza cultural do povo nordestino. Mendes chegou a ponderar que o tribunal poderia criar regras para permitir a prática, sem comprometer a saúde dos animais.
“A inconstitucionalidade seria jogar na ilegalidade as milhares de pessoas que se dedicam a essa atividade. Seria retirar dessas comunidades o mínimo de lazer que às vezes se propicia. Essa decisão teria consequências extremamente danosas para todo um sistema regional de cultura” — ponderou ele. Não há previsão de quando o assunto retornará ao plenário. Oito ministros ainda votarão.
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