As crianças afogadas pela Europa capitalista e o drama migratório
(fonte: Esquerda Diário)
A imagem de uma criança síria à deriva, morta nas areias de uma praia na Turquia, é o resumo do horror de todos os corpos de imigrantes e refugiados que nunca chegam a ser conhecidos, sepultados nas águas da perversa política européia. Pelo menos doze refugiados sírios – cinco deles menores de idade – perderam a vida em dois incidentes enquanto tentavam atravessar a estreita faixa de água que separa a península de Bodrum, na Turquia, da ilha grega de Kos. Os cadáveres das crianças apareceram no início da manhã desta quarta-feira numa praia turca.
Somente na noite desta terça-feira, os soldados turcos detiveram 100 pessoas que tentavam chegar às ilhas gregas, na maioria em botes infláveis, uma cifra que supera os 2.000 dos últimos sete dias. Uma lancha que partiu de Aspat, perto de Bodrum, no sudoeste da Turquia, com 16 refugiados sírios a bordo, afundou antes de alcançar a ilha de Kos. Na mesma região afundou outra barca que tinha partido de Alihoca, também perto de Bodrum, com seis pessoas a bordo das quais quatro – uma mulher e três crianças – morreram.
A travessia da Turquia para a Grécia é um dos primeiros estágios da rota infernal da migração, de jovens e adultos que caminham milhares de quilômetros desde a Síria e o Afeganistão, passando pelos Bálcãs, para chegar à Hungria e dali seguir caminho para o norte da Europa. A atrocidade de corpos flutuando sem vida nas costas da Europa só tem paralelo nas respostas das autoridades europeias impregnadas de xenofobia e racismo.
A chanceler alemã Angela Merkel, sob o discurso de “tolerância” e “acolhimento”, contrabandeou um novo conceito que distingue “refugiados legais” e imigrantes econômicos ilegais” (que seriam aqueles que, “sem motivo algum”, querem uma vida melhor na Europa). Com este novo conceito, o governo alemão, que inclui a socialdemocracia, anuncia a deportação imediata de qualquer refugiado da região dos Bálcãs presente na Alemanha.
Sob estas “orientações”, na República Tcheca, 200 refugiados com passaportes autorizados foram atirados para fora de um trem a caminho da Alemanha, e como se não bastasse, tiveram “números de registro” marcados permanentemente nos braços, copiando hábitos que não ficam atrás do tratamento dado pelos regimes fascistas aos africanos e asiáticos na década de 30.
Na Holanda, o governo ameaçou cortar o acesso a comida e abrigo para os imigrantes “ilegais” encontrados pela polícia, uma atitude inspirada no primeiro ministro britânico, David Cameron, que se referiu aos imigrantes como uma “peste” e anunciou um projeto de lei que daria seis meses de prisão a imigrantes que estivessem trabalhando “ilegalmente” no Reino Unido.
Um de cada cinco imigrantes no mundo é sírio, como a criança em Bodrum. Os bombardeios norteamericanos e das potências europeias contra o regime ditatorial de Bashar El Assad e os ataques do exército ditatorial deixaram a economia devastada, com uma inflação de 600%, sofrendo de desabastecimento e falta de insumos médicos. Fruto destas intervenções imperialistas, além do desmoronamento do islamismo moderado, deu origem ao Estado Islâmico, que com um regime de terror reacionário intensificou a perseguição de sunitas e principalmente xiitas na Síria e no Iraque, num conflito que já cobrou a vida de 230.000 pessoas e causou a fuga de 11 milhões de habitantes de seus lares, segundo a ACNUR (Agência das nações Unidas para Refugiados).
Depois que nos últimos quatro anos centenas de milhares de sírios se exilaram na Turquia, no Líbano e na Jordânia, estes países começaram a impor restrições a novos ingressos. Ante a dificuldade de ingressar nos países vizinhos, a alternativa é buscar a Europa.
A prática ausência de um Estado na Líbia, com dois governos situados em Tobruk e em Trípoli, favoreceu a expansão das máfias que traficam imigrantes, especialmente subsaarianos. A maior tragédia do Mediterrâneo, quando um barco afundou com 700 pessoas a bordo em abril, provinha da Líbia.
Em um mecanismo perverso, as grandes potências exploram o continente africano e geram guerras obrigando milhares a uma vida de miséria e êxodo, enquanto fortalecem a defesa européia e impedem a entrada dos que fogem da morte, das perseguições e da fome, como na mensagem do menino sírio de 13 anos, Kinan Masalmeh: “Por favor, ajudem os sírios…os sírios precisam de ajuda agora. Apenas pare a guerra. Nós não queremos ficar na Europa, apenas que se pare a guerra”.
Os movimentos migratórios forçados sempre foram uma constante no capitalismo desde sua origem e hoje estão atravessados pela dinâmica da crise mundial. O movimento em defesa dos direitos sociais e políticos dos imigrantes, para acabar com as leis antimigratórias, com a repressão costeira, os cárceres chamados centros de internação de estrangeiros (CIEs), a xenofobia e a islamofobia, é imediatamente uma bandeira da classe trabalhadora nativa nos países da Europa e de todo o mundo. A luta por eliminar as fronteiras nacionais é também a luta contra a Europa imperialista e dos monopólios.
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