Microcefalia leva pânico ao mundo

(fonte: Diário de Pernambuco)
 
O alto índice de crianças com microcefalia levou a Organização Mundial de Saúde (OMS) a decretar estado de emergência sanitária internacional. Entre agosto e janeiro, somente em Pernambuco, foram notificados 1.447 casos. Considerando os parâmetros da OMS – que identifica a malforamção em bebês com perímetro cefálico igual ou menor que 32 centímetros -, são 543 crianças. Apesar dos indícios, as reais causas do surto ainda são um mistério. Enquanto o Ministério da Saúde aponta a relação entre o contágio pelo zika vírus e o desenvolvimento da doença, especialistas ao redor do mundo estudam outras possibilidades que incluem até mesmo a contaminação através do uso de pesticidas utilizados em água potável. A população luta para conter o Aedes aegypti, vetor da dengue, zika e febre chikungunya, mas, em meio ao cenário alarmante, você sabe quais são os mitos e verdades sobre a microcefalia?
Somente em Pernambuco, mais de 1,4 mil casos foram notificados. Foto: Peu Ricardo/Esp. DP

Somente em Pernambuco, mais de 1,4 mil casos foram notificados. Foto: Peu Ricardo/Esp. DP

Em Pernambuco, o Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães/Fiocruz confirmou 12 casos de microcefalia relacionados ao vírus zika por detecção do anticorpo IgM no líquido céfalorraquidiano de bebês. Os reagentes foram fornecidos pelo Centro de Controle de Doenças dos EUA (CDC). “Na realidade, os exames reforçam os indícios. Eles são um indicativo positivo de que as crianças tiveram a infecção do sistema nervoso pelo zika, mas é tudo muito preliminar. Nós estamos lidando com um universo muito maior de infestação e não podemos cravar causas por uma amostragem. É algo muito forte, com certeza, mas na medicina é preciso ter cautela”, explicou a chefe do setor de Infectologia Pediátrica do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, Ângela Rocha. O esclarecimento explica o porquê de, até o momento, a própria OMS não ter considerado a infecção por zika como causa da microcefalia. “Faltam dados de laboratório para uma confirmação efetiva. É prudente continuarmos estudando”.
 
A relação entre zika e microcefalia, contudo, ganhou reforço nesta semana com a publicação de um artigo científico sobre o caso de uma grávida eslovena, contaminada no Rio Grande do Norte. Foi a primeira vez que um estudo europeu também detectou a presença do vírus no cérebro de bebês microcéfalos. Neste caso específico, a comprovação veio através de exames genéticos, de imagem e laboratoriais. Todas as outras infecções que também podem causar microcefalia, como herpes e rubéola, foram descartadas, assim como a predisposição genética dos pais. Devido aos maus prognósticos e aos graves danos no cérebro do feto, a mulher decidiu interromper a gravidez aos oito meses.
 
Um representante da Organização Mundial de Saúde (OMS) na Eslovênia, Marijan Ivanusa, confirmou que a investigação representa “uma peça excecionalmente importante no quebra-cabeça para provar que o vírus zika realmente pode causar microcefalia”. Contudo, segundo o responsável da OMS, a investigação não representa algo “dramaticamente novo”, pois não existem medicamentos nem vacinas contra o zika e a única coisa que resta é recomendar a proteção contra o mosquito Aedes aegypti.
Lindomar Penna, pesquisador do setor de virologia. Foto: Brenda Alcântara/Esp. DP

Lindomar Penna, pesquisador do setor de virologia. Foto: Brenda Alcântara/Esp. DP

 Com zika, mas sem microcefalia

 
Engrossando as teorias que surgiram em virtude do alto índice de infestação da doença, nesta semana, o presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, informou que 3.177 gestantes foram diagnosticadas com o vírus no país, mas não há evidências de que o zika tenha causado qualquer malformação nas crianças. A notícia trouxe à tona, mais uma vez, a falta de comprovações sobre as causas da microcefalia. “Só podemos falar com segurança sobre a nossa realidade. A informação foi divulgada, mas ele não detalhou, por exemplo, como detectou a infecção nas gestantes. Aqui nós temos muita dificuldade em todo o processo de comprovação e isso varia de exames caros até a própria sorologia. Não é fácil para a gente, imagino que para eles também haja essa dificuldade. Não dá para saber entender assim sem detalhamentos”, complementou a médica.
 
O alcance mundial propiciou o surgimento das teorias a respeito da doença. Algumas plausíveis, outras com objeções. Na Argentina, médicos consideram outra causa provável: o uso de um pesticida utilizado no Brasil desde 2014 para impedir o desenvolvimento de larvas de mosquito em tanques de água potável. De acordo com o relatório realizado pelos especialistas argentinos, o Ministério da Saúde do Brasil não conseguiu reconhecer que, na área onde as pessoas mais doentes vivem, um larvicida químico que produz malformações em mosquitos foi introduzido no abastecimento de água. Esse pesticida, o pyriproxyfen, é usado em um programa estatal destinado a erradicar mosquitos portadorede doenças. Ele é um inibidor do crescimento de larvas de mosquitos, o que altera o processo de desenvolvimento da larva gerando, assim, malformações no desenvolvimento de mosquitos que podem matá-los ou desativá-los.
 
Em entrevista ao The Ecologist, os médicos do Physicians in the Crop-Sprayed Towns (PCST) também observaram que o zika vírus tem sido, tradicionalmente, tido como doença benigna e que nunca havia sido associado a defeitos congênitos, nem mesmo em áreas onde infecta 75% da população. A hipótese encontrou força também entre os médicos da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). A organização, além de salientar o aumento da degradação ambiental e a falta de saneamento, denuncia a utilização continuada de larvicidas químicos na água de beber das famílias há mais de 40 anos sem, contudo, implicar na redução do número de casos de doenças provocadas por arbovírus.
 
Outra questão levantada em meio ao boom de microcéfalos diz respeito às notificações. Somente em novembro, a notificação de casos de microcefalia se tornou obrigatória no estado. E a estatística não parou de crescer. Antes, a média era de nove casos por ano. Entre agosto e janeiro, já foram mais de 1,4 mil casos. Muito se fala sobre subnotificações, mas para Ângela Rocha não seria possível um índice elevado da doença passar impune.
 
“É praticamente impossível haver subnotificação de casos de microcefalia. Passar um ou outro, até pode ser, mas nunca seria um volume tão elevado. Mesmo que não seja detectado no nascimento, pacientes com microcefalia precisam de atendimento neurológico. Eles apresentam sintomas ainda nos primeiros meses. Com esse tamanho de cabecinha, muitos convulsionam, se tornam irritadiços, entre outras sequelas. Eles, com certeza, seriam detectados”, defendeu a especialista. As dúvidas a respeito da subnotificação de casos de microcefalia nasceram após os Estados Unidos terem divulgado uma média de 19.250 nascimentos de crianças com a malformação no país todos os ano.

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