As religiões de matriz africana no Brasil
Candomblé, Umbanda & Afins /// Num país onde o multiculturalismo religioso é dominante em decorrência da influência das mais variadas etnias, as religiões afro-brasileiras – especialmente o Candomblé e a Umbanda – têm conquistado seu espaço no território brasileiro, ainda que sofram intensa e persistente perseguição de diferentes religiões, principalmente advinda da Igreja Evangélica.
São consideradas religiões afro-brasileiras aquelas que receberam influência direta dos negros africanos durante o período escravocrata – entre 1534 e 1888 – sem diferenciação de Nação, uma vez que cada grupo africano possuía sua própria ideologia e prática ritualística.
Essa influência, numa abordagem mais complexa, está intimamente ligada ao fundamento e, principalmente, no que diz respeito à essência inserida em suas raízes ritualísticas, levando em conta o Yorubá como linguagem-base e o culto às diversas divindades africanas, tais quais Orixás, Voduns e Inquices (Nkisi).
Segundo ampla pesquisa da PUC-SP, realizada em 2011 em mais de 10 estados brasileiros – incluindo Rio de Janeiro, Bahia, Rio Grande do Sul, Pernambuco e Maranhão – estima-se que o número de praticantes de cultos afro-brasileiros, sem distinção de ritual, é de aproximadamente 8 a 13% da população. Esse número abrange entre médiuns praticantes e admiradores; indecisos e não assumidos ficaram de fora da porcentagem.
A predominância dos cultos em todo território brasileiro varia de região para região. O que explica essa diferenciação regionalizada da ritualística, assim dizendo, é justamente a questão da influência de cada conjunto étnico enquanto instalado em Terra Brasilis após chegada do Continente Africano.
Dentre os rituais mais praticados, destaque para o Candomblé Tradicional e Umbanda (predominantes em todo território nacional). O estado do RS é o mais diversificado quanto as ritualísticas afro-brasileiras, sendo muito comum a prática do Catimbó, Tambor de Xangô, Jeje, Candomblé de Caboclo, Batuque, Pajelança, entre outros.
Candomblé e Umbanda: qual a diferença?
Por mais que sejam duas das ritualísticas mais praticadas no país e ambas sejam genuinamente brasileiras, há diferenças entre o Candomblé e a Umbanda. Sob uma visão exemplificada, o primeiro absorveu o fundamentalismo direto dos escravos africanos, cultuam suas divindades sem forma segregacional, possuem hierarquia diferenciada, não usam mais o sincretismo religioso como antigamente e há também diferença na estrutura física do local o qual é realizado as sessões, sendo chamado de Barracão, Salão, Roça ou Terreiro.
Já a Umbanda se destaca pela formação de três pilares essenciais: a ritualística africana, o sincretismo e a doutrina de Kardec. Embora sua base seja única, a Umbanda pode ser encontrada ramificada em várias formas ritualística, como Umbanda de Caboclo, Umbandomblé (traçada com Candomblé), Umbanda Bantu Ameríndio, Umbanda Exotérica, Umbanda Popular, entre outras. Entretanto, o importante é a essência e a proposta Umbandista: prática da caridade, fé, amor e humildade.
Também cultua os Orixás, mas não na maneira do Candomblé. O culto é na crença e manipulação de espíritos desencarnados com vivência no plano no terrestre, que são chamados de Entidades. Outra diferença básica é na crença em um único deus (Zambi, o Criador) o que faz da Umbanda uma religião monoteísta, enquanto o Candomblé é animista.
O que são Orixás?
O termo “orixá” significa “força que atua na cabeça”. Um Orixá propriamente dito é tido como elemento da natureza e cada um representa um ponto de equilíbrio. Quando o Orixá é cultuado, naturalmente as forças elementais da natureza são também cultuadas, como a água, o vento, a terra e o fogo. Para as ritualísticas, as divindades são associadas a estes elementos. Como exemplo, temos Iemanjá, Orixá tão comentada no país, é associada aos mares. E assim sucessivamente…
O que é Macumba?
Macumba é uma grande árvore da família das lecitidáceas, de origem africana a qual os negros praticavam seus diferenciados cerimoniais em sua volta, como casamento, batizado, ritual fúnebre, dança e até mesmo seus rituais de magia. Daí vem a expressão “tocar macumba”.
Dela era extraída a matéria para confecção de um instrumento de percussão muito usado na cultura africana, que acabara recebendo o nome também de “macumba”. Esse instrumento era muito usado na África, inclusive, antes mesmo da propagação das ritualísticas africanas aqui no Brasil. Há no Rio de Janeiro uma tradição oriunda do Candomblé batizada com nome de Macumba, que acabou sendo registrada como culto também.
A forma pejorativa a qual os praticantes são julgados foi criação das Igrejas Neopentecostais na década de 70 a fim de difamar o Candomblé, pois na visão deles era uma prática profana. Outra maneira, infelizmente pejorativa, é a associação às oferendas e entregas aos Orixás como macumba também. Contudo, o mal está na cabeça, coração e postura do ser humano. E isso independe totalmente de rituais religiosos.
O sincretismo religioso
O sincretismo foi importante instrumento que os escravos usaram durante a escravidão para cultuarem seus Orixás e rituais sem que fossem perseguidos pelos brancos. Os negros usaram de forma obrigatória algumas características da Igreja Católica, como altares e imagens de Santos, os quais eram associados conforme as características de seus Orixás.
Após a abolição da escravatura e o aparecimento das primeiras casas de Candomblé, o sincretismo foi perdendo sua força devido ao movimento fundamentalista. Hoje, ainda é muito usado na Umbanda em respeito à tradição.
O preconceito e a intolerância religiosa
Mesmo com o emprego do sincretismo, crescimento e propagação da diversidade religiosa, o preconceito, a perseguição e a intolerância religiosa sempre existiram no Brasil. Através da Lei No. 11.635, de 27 de dezembro de 2007 – sancionada pelo ex-presidente Lula – ficou estabelecido em 7 de janeiro o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. Ainda que o Estado seja laico, que perseguição religiosa seja considerada crime e, principalmente, a Constituição de 88 garanta a liberdade de culto como direito universal, a intolerância é vista de Norte a Sul do país.
Recentemente, o juiz titular da 17ª sétima Vara Federal, Eugênio Rosa de Araújo não considera a ritualística afro-brasileira como religião. Na sua visão, para ser considerada religião é necessária a crença em um único Deus, uma hierarquia e um livro base. Dias após a polêmica, decidiu retirar suas palavras em decorrência da união dos diversos cultos pelo país. Essa união significou ao “Povo do Santo” não somente força social, mas política também. Entretanto, ele não alterou o teor da sentença em si e, tampouco, os 15 vídeos do YouTube considerados ofensivos à Umbanda e Candomblé. Por fim, ainda esclarece que a decisão de voltar atrás tem como fundamento a liberdade de expressão e reunião. Porém, em momento algum reconsiderou Umbanda e Candomblé como religiões levando em conta a laicidade do Estado, a liberdade de culto e seus fundamentos próprios.
Em pleno século XXI, através do preconceito enraizado provindo de outras religiões, fica claro e evidente que a Inquisição e Caça as Bruxas estão mais vivas do que nunca. No mais, Amém pra quem é de Amém, Aleluia pra quem é de Aleluia e Sarava pra quem é de Sarava.