Brasil, o país da pedofilia
(fonte: Diário de Pernambuco)
“Eu tinha dez anos. Minha mãe trabalhava fora e estava sempre viajando. Meu padrasto ficava mais tempo em casa. Ele me criou desde que eu tinha quatro anos. Um dia, invadiu meu quarto, tapou minha boca e me atacou”. As lembranças de Andreza, hoje com 30 anos, vêm como um grito tardio de mais uma vítima da pedofilia. A cada 15 segundos uma criança é abusada sexualmente no mundo.
No Brasil, o crime se repete a cada oito minutos. As informações foram divulgadas pela Polícia Federal e se agravam com a constatação de que o país concentra 76% dos pedófilos do planeta, além de ser o líder na internet quando o assunto é pornografia infantil. “Na primeira vez, eu esperei a família se reunir e contei. Tenho uma irmã mais nova e tinha medo que ele fizesse algo com ela também. Mas minha mãe não acreditou. Ele, claro, negou. Ela disse que eu estava inventando, que era coisa da minha cabeça. Foi a brecha para tudo continuar”, desabafou.
“Ele me abraçava, me beijava e me levava para o quarto. Tirava a minha roupa, tirava a dele, me tocava, se esfregava em mim, passava as partes íntimas dele na minha e se masturbava. Eu tentava escapar, mas ele era muito mais forte. Tentava gritar, mas ele me calava. Sempre dizia que ninguém acreditaria”. O relato de Andreza se confunde com outros silenciados pelo medo e vividos à sombra da incredulidade. De acordo com a Polícia Federal, na maioria dos casos, o abusador é alguém próximo à vítima, familiares ou vizinhos. Em Pernambuco, somente este ano, foram deflagradas cinco operações de combate em 13 municípios.
Com a internet e a limitada legislação sobre crimes cibernéticos, a pedofilia ganhou forma de atuação ainda mais difícil de se conter. Começa com uma conversa despretensiosa. Com um clique, a troca de fotos e vídeos está feita. Em apenas um minuto, cresce a estatística. Números que são agravados pela invasão, a cada mês, de cerca de mil novos sites com conteúdo pornográfico infantil.
Pela lei, produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente é crime. Assim como agenciar, facilitar, recrutar, coagir ou intermediar a participação dos menores de idade nas imagens. “O que pouca gente sabe é que trocar esse conteúdo e armazená-lo também são crimes passíveis de prisão. As pessoas não têm noção do que significa pedofilia, mas estamos atuando de forma enfática para inibir esses atos”, explica o assessor de comunicação da Superintendência da Polícia Federal em Pernambuco, Giovani Santoro. No mercado negro, a imagem de uma criança nua pode valer R$ 1 mil. Um vídeo com cenas de sexo envolvendo menores de idade pode custar até R$ 10 mil. As cifras e os entraves na legislação favorecem a proliferação dos atos criminosos.
De acordo com a Polícia Federal, os pedófilos gastam, em média, sete minutos para atrair a vítima. No entanto, há casos em que a abordagem acontece em apenas um minuto. “Meninas têm dez vezes mais chances de serem alvos que meninos. E, em 99% dos casos, os pedófilos são homens entre 25 e 35 anos”, alerta Giovani Santoro. Entre 2013 e 2014, 500 pedófilos foram presos no Brasil. Em Pernambuco, no mesmo período, foram instaurados 76 inquéritos com 42 mandados de busca cumpridos em 24 cidades com registro de pornografia infantil. Sete suspeitos foram presos em flagrante. No mapa da PF, os estados com maior número de casos registrados são Brasília, Espírito Santo e Rondônia. Pernambuco aparece em 8º lugar no ranking nacional.
“Hoje, quando lembro do que houve, sinto como se fosse uma ferida que nunca cicatriza. Em nenhum momento você vai aceitar ou apagar aquilo. Tem gente que pensa em matar, em morrer, mas eu agradeço a Deus por estar bem. Olho para trás e vejo que consegui superar. Casei, construí a minha família, tenho um filho lindo e sigo em paz”, conta Andreza. A mãe e o padrasto permaneceram juntos por 20 anos. O relacionamento acabou em 2014. A família vivia, na época, em Vila Rica, Jaboatão dos Guararapes. A mãe ainda não acredita que ele tenha sido capaz de se aproveitar da filha.
Os números divulgados pela Polícia Federal foram apresentados pelo advogado, ex-deputado federal e um dos membros-fundadores do Partido dos Trabalhadores Luiz Eduardo Greenhalgh à embaixada norte-americana em Brasília e são frutos de pesquisa da ONG Censura. De janeiro de 2006 a outubro de 2012, 40,5% do que foi denunciado na internet abrigava conteúdo pornográfico infantil. Foram 224,6 mil endereços citados, neles, 76% dos acessos eram oriundos do Brasil.
Nas publicações, 52% continham crimes contra crianças de nove a 13 anos e 12% contra bebês de até três meses de idade (com fotografias). Homens, mulheres, jovens, idosos, ricos, pobres, brancos, negros, todos podem ser criminosos em potencial. Não é possível traçar um perfil para a identificação de pedófilos. A Polícia Federal, no entanto, aponta padrões de comportamento que devem despertar a atenção de pais e responsáveis.
Usualmente, os acusados possuem poucos amigos na mesma faixa etária, costumam ter quartos decorados com motivos infanto-juvenis, passam muito tempo com crianças para conhecer seus gostos e atraí-las, são simpáticos, superprotetores e, vez por outra, tocam a criança “acidentalmente”. Também é comum que busquem vítimas com pouca ou nenhuma supervisão dos responsáveis. Costumam frequentar locais como shopping centers, parques e praças, além de áreas próximas a escolas. “Na maioria dos casos, eles não matam quando cometem os abusos. O objetivo é outro”, explica o Santoro.
Para não serem identificados, optam por computadores de lan houses, usam perfis falsos e negam a idade, nome e endereço. Em muitos casos, se passam por crianças e adolescentes para se aproximar das vítimas. Usam as informações fornecidas pela própria criança para saber como se apresentar. Para atrair, falam sobre comida, cinema, música e roupas até chegar no assunto “pais” e descobrir o horário em que estão em casa.
“Eles abordam temas sexuais de forma sutil e delicada para reduzir a inibição e cativar as vítimas. Falam em uma linguagem mais infantilizada. Perguntam onde fica o computador e se tem alguém vendo a conversa dos dois, demonstram interesse pelos problemas das crianças até convencê-las a ligar a webcam para fotografar e filmar. Chegam até a fazer declarações de amor”, esclarece o assessor da PF, lembrando que a ameaça vem em seguida. No intuito de calar as vítimas, dizem que podem divulgar as imagens a qualquer momento caso elas contem o que aconteceu.
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