Derrubada de baobás fere princípio da sustentabilidade
Em Olinda, a Promotoria de Justiça e Cidadania tenta impedir a continuação de uma obra que, sem realizar o Relatório de Impacto Ambiental (Rima), iniciou a supressão de 13 hectares de área de preservação permanente nos bairros de Jardim Atlântico e Jardim Fragoso. Entre as mais de 1.300 árvores apontadas no inventário de destruição da Via Metropolitana Norte para a construção de uma via de 61,1 quilômetros ligando as PEs 15 e 01, estão dois baobás plantados na Sementeira Municipal de Olinda. A cobrança da promotora Belize Câmara lança luz sobre importantes discussões da sociedade atual e oferece uma reflexão sobre a luta do indivíduo em não esquecer de suas origens, sua identidade, por mais fortes que sejam o argumento do progresso, a especulação imobiliária, o processo de aculturação, o preconceito.
Para os povos de matrizes africanas, o baobá é a arvore que guarda os ancestrais. “É uma agressão à nossa história, à nossa ancestralidade e religiosidade, e demonstra o quanto a mentalidade dos nossos gestores e instituições públicas está desconectada com o clamor do mundo, que grita por um modelo de sociedade mais sustentável. Hoje o que assistimos é um grande culto ao concreto, que vem desconfigurando as cidades, as deixando totalmente sem vida, sem alma, ao ponto de não entenderem a importância histórica, simbólica e espiritual de um baobá”, explica Quitinho de Xambá, o filho de santo do Terreiro Xambá, que agrega cerca de 500 fieis em São Benedito, em Olinda.
Segundo Quitinho, a construção do novo para os povos de matrizes africanas não passa pela destruição do seu passado, mas é resignificado, oferecendo possibilidades de construção de cidades harmônicas: “No candomblé não se tira uma folha de uma árvore e não se planta uma árvore sem que haja um sentido para a coletividade, sem contemplar o todo, para agregar valores à sociedade. Pensar que uma cidade inteligente e moderna é enchê-la de pontos de internet nas praças, é uma engano. A humanidade sobrevive sem o facebook, sem o whatsapp, mas não sobrevive sem a sombra das árvores”, atesta.
O engenheiro agrônomo Raul Soares, diretor geral de Paisagismo da Prefeitura de Olinda, guarda, há cinco anos, três mudas de baobá no que restou da sementeira municipal e que pretende replantar em breve. A ávore vai representar a “pedra fundamental” do novo espaço, que ainda não tem local definido. Diretor do local, ele diz que apesar de saber do projeto da Via Metropolitana, foi surpreendido com a forma de retirada tão intempestiva. “Foi feita uma comunicação verbal. Não nos mostraram notificação.
É uma história de 35 anos jogada no lixo de uma hora para outra. Aqui era um viveiro florestal, onde plantamos matrizes para fazer a multiplicação por sementes ou de forma vegetativa em todas as praças, parques, canteiros centrais da cidade. Há três anos paramos de produzir mudas e estamos mantendo apenas o estoque, enquanto está sendo negociada outra área para a sementeira Pedro Jorge, batizada em homenagem ao procurador assassinado nas proximidades”, conta Soares.
O agrônomo lembra que é possível, sim, fazer o transplante dos baobás. No entanto, a proposta do projeto da Secretaria Estadual das Cidades que não realizou Estudo de Impacto Ambiental é fazer a compensação de cerca de 2.600 mudas nos municípios de Camaragibe e Jaboatão dos Guararapes e não na mesma bacia hidrográfica afetada. Segundo ele, em Pernambuco não existe esta tecnologia, mas empresas de São Paulo, por exemplo, são especialistas no processo que obtém êxito em quase 100% dos casos.
A notícia enche de esperança o jardineiro Amaro Luiz da Silva, de 66 anos, 25 deles atuando na Prefeitura de Olinda. Foi ele quem plantou na sementeira, há 30 anos, os dois baobás ameaçados de serem derrubados. “Plantei com minhas mãos esses baobás e mais 50 árvores que foram derrubadas aqui. Tinha pé de jambo, fruta-pão, azeitona, manga. Os animais se alimentavam das frutas. Tinha saguis, passarinhos. Todos fugiram, ninguém sabe onde estão. É muito gratificante plantar uma árvore, cuidar, ver crescer. É como uma criança, um filho. Tem que cuidar pra ver ficar bonito. Estou muito triste, angustiado. Foi como se tivessem me dado um tapa na cara. Quando soube que iam derrubar, corri, fui pra casa. Não consegui mais ficar aqui”, conta Seu Amaro, sem tirar a mão do “filho” de 23 metros de altura e quatro metros de circunferência.
História
Conta-se que, antes de serem embarcados nos navios negreiros, os africanos feitos escravos eram obrigados a dar voltas em torno de um baobá. Os algozes acreditavam, com o ritual realizado ao redor da “árvore do esquecimento”, que eles perderiam da memória seus vínculos de família, língua, costumes, seu pertencimento. Uma maneira também de tentar livrá-los da culpa por imporem tanto sofrimento. O que se sabe é que os negros colheram e trouxeram escondidas para o Brasil sementes da árvore sagrada que representa resistência, longevidade.
“Nossos ancentrais plantaram os baobás em locais propícios para a formação de aldeias, para que em torno deles fossem construídas comunidades. Infelizmente, não conseguiram por causa da escravidão e da falsa abolição. Mas eles se preocuparam em deixar sinais: por aqui passaram os africanos. Os baobás ficaram e representam a resistência, a perenidade de um povo”, aponta o historiador Alexandre L´omi L´odò, sacerdote da religião Jurema, candomblecista e mestre em Ciência da Religião com o tema Árvores Sagradas.
Não por acaso, Pernambuco é considerada a segunda “pátria” dos baobás. Concentra a maior quantidade de exemplares em todo o mundo, depois da África, seu continente de origem. O estado possui 110 pés catalogados em um mapeamento realizado em 2011 pelo jornalista e fotógrafo Marcus Prado. “Comecei em Paulista e fui até o Sertão do Araripe, de carro, sobretudo de ônibus, moto e até em cima de um burro. Os acessos são os piores possíveis. Rodei 700 quilômetros para fotografar um único baobá em Araripona.
Muitos são centenários e a maiora está ameaçada. Um deles, num engenho tombado no interior do estado, foi queimado. Em frente ao Cemitério de Santo Amaro, no Recife, derrubaram um baobá centenário há cerca de sete anos”, denuncia o jornalista, que cadastrou espécies na Ilha de Itamaracá, São José do Belmonte, Serra Talhada, Arcoverde, Sanharó, Caruaru, Limoeiro, Gravatá, Vicência, Itambé, Ribeirão, Carpina, Buenos Aires, Vitória de Santo Antão, Recife, Ipojuca e Olinda.
(fonte: Diário de Pernambuco)
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