O educador e a desvalorização
“Chega de doutrinação marxista. Basta de Paulo Freire” (cartaz de um manifestante em Brasília, 15/03/15).
Logo Paulo Freire, educador pernambucano homenageado em muitos dos maiores templos educacionais do mundo (Harvard, Oxford e Cambridge, por exemplo), mas não por sua contribuição econômica ou político/partidária, apenas por suas ideias de libertação do oprimido frente ao opressor? Paulo Freire, escolhido como patrono da educação brasileira? Quero acreditar que ao escrever “…basta de Paulo Freire” o infeliz manifestante quis dar uma basta na educação medíocre a qual vivenciamos e que envergonha nosso patrono… Mas acho que não!
Ao nos depararmos com a exposição pública de um pensamento como esse é necessário que tenhamos a noção do quanto somos culpados e vítimas de tamanho descaso histórico com os 3 níveis de educação (formal, não-formal e informal) que permeiam nossa formação enquanto cidadãos. O que aprendemos na escola, com nossa família e amigos e/ou com nos diversos ambientes aos quais estamos ou estaremos inseridos forma nosso tripé de sustentação social. A destruição ou a falta de um desses pés acarreta em dano irreversível ao nosso caráter. Vide a jovem que ESTÁ FURIOSA porque tem dificuldade de encontrar “uma secretária do lar para lavar suas roupas”. Sua educação (ou a falta dela) não lhe permite ver que somos todos iguais e que, por isso, temos o direito de mudar de atuação profissional se nos for conveniente e permitido.
O fato é que em cada um desses processos existe um agente que facilita a construção do saber. No caso da educação formal esse agente é o professor. Certo dia, o senador – pernambucano de nascença e brasiliense de filiação – Cristovam Buarque, externou sábio raciocínio ao dizer que deveríamos criar condições para que as cabeças pensantes se sentissem atraídas pela missão de lecionar no ensino básico. Assim, ainda segundo o senador, teríamos mão de obra adequada e capaz de transformar os rumos desse país. Concordo com o conterrâneo. E todos nós sabemos que para que a licenciatura conseguisse atrair mais gente qualificada, para que o jovem egresso do ensino básico sonhasse em ser um facilitador da aprendizagem, seria necessário que nossas escolas fossem melhores e que os salários e as condições de trabalho dos nossos professores fossem ao menos dignos.
Quais profissões possuem maior remuneração média dentre as de nível superior? Medicina? Atuação em causas da lei? Acho que sim. Mas já paramos pra pensar no porquê disso? Oras, numa sociedade pobre em educação (nos 3 níveis) o povo adoece bastante, não é? O povo comete muitos crimes, “anda” muito à margem da lei, não é? Por isso essa mão de obra remediadora é tão valorizada. Não tenho nada contra os médicos ou profissionais que lidam com a legalidade. Apenas acredito que temos que parar de remediar. Prevenir a doença ao invés de trata-la, agir sobre os jovens ao invés de tira-lo da prisão. E qual o caminho para isso? Educação!
Ainda assim não é isso que vemos na prática brasileira. Os profissionais da rede municipal de ensino básico de João Pessoa, por exemplo, vem relatando diversos casos de assédio moral e ameaças por causa de suas paralisações para exigir melhores condições de salário e de trabalho. E coitados de nós, submissos à desmandos de muitos gestores inertes e mal intencionados, os quais elegemos pra nos representar, pagamos o pato social. Via de regra, as questões educacionais sempre são encaradas com desdém pelos gestores públicos. Valorizar os ganhos do professor e melhorar a estrutura das unidades educacionais municipais, estaduais ou federais sempre é encarado como um fardo, um gasto, um desperdício.
O “aumento” de 0,89% proposto pelo governo de PE aos professores da rede estadual não acrescenta muito a um dos três piores salários do Brasil. E isso se o professor for “apenas” graduado. Em caso dele possuir alguma pós-graduação o aumento será de 0%. Ainda tento entender essa lógica de chover de baixo pra cima por aqui. Quanto mais qualificado o professor for, menos é valorizado. O caso dos professores estaduais de PE é apenas um dos exemplos. Poderíamos citar outros absurdos e desmandos país afora, mas o texto se tornaria muito enfadonho e mal educado! Equação da vida social: descaso com a educação + desvalorização de quem se preocupa com ela = país doente, violento, ignorante e intolerante.
Tempos atrás tive umas aulas com o Sensei Lee, Sul-coreano autêntico e radicado há muito tempo em Pernambuco. Ele, com seu sotaque ainda carregado, já nos alertava sobre a mudança de patamar do seu país de origem, antes impregnado pela corrupção e violência, e que hoje é uma das maiores potências comerciais do mundo e exemplo em educação e civilidade. Já disse o velho professor: “Coreia antigamente igual Pernambuco. Coreia mudou e melhorou porque investiu pesado em educaçon” (sic).
É, professor… Melhor é na Coreia, onde se constrói e pratica a ideia. Arrisco-me a propor o desafio de encontrarmos alguma comunidade hippie, abrigo de idosos ou país de primeiro mundo que sejam exemplos para os seus pares e que não priorizaram a educação do seu povo, seja em qual nível for. Acho bastante improvável esse achado. Num país sério e que pensa realmente em subsidiar seu povo de cultura a gestão educacional é prioridade. Seu professor é tratado com respeito e é considerado um amigo do povo, sendo valorizado e extraindo-se dele o que de melhor ele puder dar.
Encerro o texto exaltando uma máxima do mesmo Paulo Freire criticado pelo manifestante supramencionado: “Educação não transforma o mundo. Educação muda pessoas. Pessoas transformam o mundo”. E no nosso país precisamos dessas pessoas transformadoras com urgência. Não podemos mais decepcionar o Governador do Estado de São Paulo, que dia desses reclamou: “todo ano é essa ladainha de valorização por parte dos professores”. Ok, me/se desculpe, Governador, pela nossa falta de educação!
Mestrando em Educação Física, vocalista da banda Fliperama e filho camarada de Surubim.