Eleições 2020: sobre a formulação de pesquisas de opinião
Pesquisas de opinião expressam tendências da sociedade sobre diferentes temas. É um instrumento que possui diversas finalidades e é muito utilizado em diferentes áreas do conhecimento: no meio empresarial (avaliação de produtos), no meio governamental (avaliação de políticas públicas), entre os agentes políticos (pesquisas eleitorais) e por aí vai. Pesquisas que utilizam entrevistas (ou survey) são comuns para mensuração de valores, percepções, sentimentos e opiniões coletivas.
Vejamos um exemplo, para compreender quais fatores explicam a felicidade de um país a ONU desenvolveu um indicador de felicidade das nações. Para mensurar a felicidade a pesquisa combina variáveis econômicas e sociopolíticas, como Produto Interno Bruto (PIB) per capita, suporte social (alguém com quem se pode contar em tempos difíceis), expectativa de vida, liberdade de fazer escolhas de vida, generosidade e percepções de corrupção. Anualmente a pesquisa é publicada no relatório World Happiness Report, que consiste em um ranking global dos países mais felizes e infelizes do mundo. A partir da soma de 12 indicadores, é avaliado o nível da qualidade de vida dos indivíduos em 156 países.
É no período eleitoral, que as pesquisas de opinião ganham maior repercussão e visibilidade, buscando medir a percepção e avaliação do eleitor-consumidor sobre o candidato-produto. Comumente essas pesquisas são realizadas por institutos como Datafolha, Ibope e Vox Populi. Por meio da aplicação de questionários são coletadas informações sobre o eleitorado de uma determinada região (município, estado), intenção de votos, opiniões sobre candidatos, avaliação do governo e o perfil socioeconômico.
Muitas pessoas costumam descredibilizar à validade das pesquisas com a seguinte afirmação: “Elas são manipuladas porque eu nunca fui entrevistado”. Isso acontece porque é muito comum nas pesquisas de opinião o uso de amostras para inferir sobre uma população mais ampla, já que essas pesquisas demandam muito recurso (de tempo, dinheiro e pessoas).
Comparativamente é como provar uma sopa, você só precisa provar uma colher para saber se ela está ou não salgada, não é necessário beber o prato todo para obter esta informação. No caso das pesquisas, a amostra também precisa ser aleatória. A aleatoriedade da amostra assegura que os resultados de uma pesquisa de opinião podem ser confiáveis e generalizáveis.
Ou seja, todas as pessoas devem ter a mesma chance (equiprobabilidade) de serem entrevistadas. Quando essa regra é violada a consistência dos resultados é afetada também.
Há ainda outros critérios a serem observados em uma pesquisa:
- a) tamanho da amostra (número de pessoas que foram entrevistadas em relação ao total de indivíduos passíveis de serem selecionados);
- b) tempo de aplicação (quantas horas/dias/meses demoraram para a coleta dos dados);
- c) instituto responsável (órgão público, empresas, instituições universitárias);
- d) tipo de instrumento (entrevistas presenciais, por telefone, por internet, etc.);
- e) nível de semelhança dos resultados com pesquisas anteriores (os novos resultados confirmam as pesquisas anteriores ou trazem novos elementos?).
É importante destacar que assim como um termômetro mede o grau de agitação térmica de um corpo, as pesquisas eleitorais medem o termômetro do corpo social, isto é, a percepção dos cidadãos acerca do pleito eleitoral. Desse modo, a pesquisa é apenas uma dentre outras inúmeras variáveis que podem (ou não) determinar a escolha do eleitor.
A percepção comum sugere que as pesquisas beneficiam quem está nas primeiras colocações. Nessa ótica, o eleitor tenderá a escolher um candidato (a) que tem mais chances de ganhar para assim não “perder” seu voto: é o chamado voto útil. Porém, a escolha do eleitor é permeada por diferentes variáveis: ideológicas, emocionais, culturais, econômicas, dentre outras.
Além disso, boas campanhas de marketing político mesclam diferentes métodos apelativos para angariar a atenção do eleitor e seu voto. Pesquisas podem ser utilizadas para o consumo interno dos candidatos objetivando otimizar suas estratégias de campanha, assim como podem ser utilizadas externamente para fomentar narrativas em favor ou desfavor de candidato A ou B.
Por fim, é compreensível a desconfiança generalizada. O cenário eleitoral, muitas vezes, acaba por emular uma espécie de Netflix política (espetáculo), na qual borbulham desinformação e boatos, além de claro, perfis automatizados (robôs), e fakes, que servem de munição adicional nessa guerrilha digital.
De acordo com pesquisa realizada em 2018 pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), notícias falsas se espalham 70% mais rápido do que as verdadeiras, que demoram em média seis vezes mais tempo para atingir 1500 pessoas. Isso mostra o estrago catastrófico que informações ou pesquisas falsas podem ter na esfera pública. O remédio para o vírus da ignorância é, no entanto, nos munirmos de mais conhecimento científico e menos discursos populistas inverossímeis. Mais pesquisas (desde que criteriosas e confiáveis) não são um problema para a democracia, pelo contrário.
Socióloga, Mestre em Sociologia (2018) e Bacharela em Ciências Sociais (2014) pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Pesquisa tecnologias cívicas, ciência aberta, democracia digital, algoritmos e sociedade de controle.