Entrevista com Paulo Pimenta (PT)
(fonte: Carta Capital)
A pauta dos Direitos Humanos sofreu impactos opostos nas eleições de 2014. Por um lado, movimentos sociais identificados com a causa se mobilizaram e foram decisivos para dar a vitória à Dilma Rousseff nas eleições presidenciais. Por outro, não conseguiram resultados significativos na eleição para o Congresso e o País tem, hoje, o Legislativo mais conservador desde a redemocratização.
Com a rápida implantação do ajuste fiscal, encabeçado pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, o governo começou a perder apoio da base progressista que o ajudou a se reeleger, desiludida com o impacto das medidas sobre direitos trabalhistas, ao mesmo tempo em que se vê pressionado pelas manifestações a favor do impeachment de Dilma. Em meio a este cenário conturbado, o deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS), que chegou à presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara após uma dura batalha com a bancada evangélica, acredita que o governo deve ter a coragem de debater temas como a criminalização da homofobia e o caos no sistema penitenciário. Nesta entrevista a CartaCapital, Pimenta diz ver uma ameaça de retrocesso em relação aos direitos civis e de minorias, critica o governo por ter se afastado dos movimentos sociais e sugere políticas públicas progressistas. “O governo tem a responsabilidade de ser um indutor e um realizador dessas políticas”, diz.
CartaCapital: O Brasil vive um fortalecimento do conservadorismo. Quais são as perspectivas da Comissão de Direitos Humanos e Minorias para se trabalhar nesse cenário?
Paulo Pimenta: Isso não é exclusividade brasileira, mas sim um fenômeno mundial. Há um avanço de pautas conservadoras na Europa, um avanço do fundamentalismo religioso no Oriente Médio e essas pautas também aparecem no Brasil de diferentes formas.
CC: Por que essas pautas chegaram ao Brasil?
PP: No período recente, houve mudanças importantes que integraram comunidades e segmentos antes excluídos. Há 12 anos, empregadas domésticas não tinham direitos trabalhistas, não tínhamos o Prouni, o Luz para Todos, Minha Casa, Minha Vida e outros programas sociais que permitiram que 36 milhões de pessoas ingressassem na classe média. E a presença destas pessoas causa desconforto para determinados segmentos conservadores. Existem pessoas que não conseguem conviver com pessoas de chinelo e bermuda nos aeroportos. Isso foi criando um caldo de cultura conservador. Somado a isso, houve a expansão dos direitos civis, com os direitos LGBT e as cotas, por exemplo.
CC: Enquanto a direita cresceu na Europa motivada pela crise econômica, no Brasil ela se fortaleceu motivada pela ascensão social e a conquistas de direitos de certos setores, antes excluídos, da sociedade?
PP: Ela não se fortaleceu, ela reagiu a isso. Reagiu às conquistas de setores que passaram a ter voz na sociedade. De modo a tentar reduzir os direitos conquistados.
CC: Como presidir uma comissão de Direitos Humanos nesse contexto?
PP: Em primeiro lugar é preciso garantir um amplo diálogo com a sociedade. Fazer dessa comissão um espaço real de diálogo e construção de políticas públicas para as minorias. Também temos que tratar de setores marginalizados, como os direitos humanos nas prisões, as internações compulsórias na saúde mental e os dependentes químicos. Por isso, o primeiro desafio é tentar restabelecer o canal real de diálogo destes movimentos com o Parlamento. De fato, a partir de 2013, houve uma ação organizada de conservadores – não só de religiosos, mas de outros setores – que buscaram se apropriar da comissão e descaracterizar suas funções.
CC: O filósofo Renato Janine Ribeiro disse na semana passada que o avanço da extrema-direita se traduz em ódio aos Direitos Humanos, o que é visível nas redes sociais e em alguns protestos. Só o diálogo com a sociedade é capaz de avançar nessa pauta?
PP: Eu acho que não. É correta a avaliação de Ribeiro sobre como esse sentimento se traduz nos setores conservadores e como eles se expressam. O governo e a presidenta Dilma, durante a campanha eleitoral, verbalizaram e devem dar prosseguimentos a temas como a criminalização da homofobia, por exemplo. Estamos há doze anos no governo e não tivemos a contundência necessária para aprovar uma lei que criminalize a homofobia no Brasil. O governo tem que ter a determinação de enfrentar uma pauta como essa. Assim como outras pautas que apontam nessa direção.
CC: A defesa destas pautas ajudaria o governo a aumentar sua popularidade?
PP: É um imperativo para que o governo restabeleça o diálogo com a base social que o elegeu. Essa base espera que o governo não tenha medo de defender a ampliação de políticas compensatórias nas universidades, que tenha coragem de fazer um debate na sociedade brasileira sobre o sistema penitenciário, que está falido. O governo tem a responsabilidade de ser um indutor e um realizador dessas políticas.
CC: As minorias brasileiras estão desarticuladas politicamente? É comum vermos jovens, beneficiários do Prouni, serem contra outros programas sociais do governo como o Bolsa Família e o Mais Médicos…
PP: A ideia de que a diferença deve ser valorizada e de que o governo discuta na sociedade é algo fundamental. O aluno do Prouni ou o beneficiário do Minha Casa, Minha Vida não acha que ele está lá apenas porque houve uma ação política, com conteúdo ideológico, que resolveu abrir a universidade para quem nunca tinha tido uma oportunidade. Isso foi um grande erro do governo. O governo abdicou de esclarecer à sociedade suas ações e entregou o financiamento de seus projetos a aliados, que não dividem conosco [PT] uma identidade estratégica ou que sucumbiram ao discurso da tecnocracia, trabalhando apenas com números e indicadores. Por isso, existe um universo de pessoas beneficiárias do Fies, do Prouni, de cotas, do Minha Casa, Minha Vida, que não tem compromisso com esse projeto [social]. Não é identidade partidária, é com o projeto de desenvolvimento para o País.
CC: Faltou um investimento em comunicação ou em conscientização política?
PP: As duas coisas. Nós aceitamos a tese da mídia técnica, que diz que o governo deve seguir investindo nos meios de comunicação tradicionais. O problema de comunicação é real, mas há também a necessidade de que esses programas sejam elementos de organização da sociedade para a sustentação de um projeto de sociedade mais justa. Ao abdicarmos de discutir e defender esses programas, abdicamos de ter uma base de sustentação desses projetos.
CC: Falta apoio da mídia para esses projetos?
PP: Esperar que a mídia, representante da elite conservadora e dominante do País, apoiaria projetos de inclusão social que colocam em risco relações de poder históricas é ilusão. O governo tem que perceber que existe imprensa alternativa e que, sobretudo, a internet criou a possibilidade de uma revolução comunicacional. O que não dá é para ver o Faustão fazer um discurso horroroso de saudação ao pior das manifestações de domingo com um banner do Banco do Brasil atrás dele. É evidente que existe um problema na comunicação.
CC: A bancada evangélica rachou com o flerte do deputado Marcos Feliciano (PSC-SP) em aceitar o acordo que dava uma das vice-presidências da Comissão a ele e a outra ao deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ)?
PP: Eu percebi que a bancada evangélica tem várias vertentes. Algumas mais conservadoras e outras não. Não há um interesse em travar todas as pautas dos direitos civis.
CC: Mas os parlamentares interessados na CDHM não são os menos conservadores, mas sim o Marcos Feliciano (PSC-SP), o Jair Bolsonaro (PP-RJ)…
PP: Com esse segmento, com certeza, não encontraremos pontos de equilíbrio ou unidade. Esses são setores que têm o interesse de descaracterizar a comissão. Mas com os outros setores, temos que buscar convergências no conteúdo de cada questão.
CC: O senhor acredita que existe margem de diálogo com a bancada evangélica no que se refere a direitos LGBT, por exemplo?
PP: Não podemos ver a bancada evangélica como um corpo único. Eu vou trabalhar com a ideia de que na bancada existem parlamentares que podem ser sensibilizados. Mesmo dentro das igrejas evangélicas as pessoas têm dificuldades em aceitar que uma pessoa não deve ter o mesmo direito da outra devido a sua orientação sexual. É difícil defender para um pai, dentro de uma igreja, que ele tem que mudar o relacionamento que tem com o filho apenas por seu filho ser homossexual. As próprias igrejas terão que avançar nesse sentido.
CC: Hoje as vice-presidências ainda não foram definidas?
PP: Ainda não.
CC: E quais serão as pautas prioritárias da comissão sob seu comando?
PP: Eu vou apresentar um requerimento para convidar entidades ligadas aos Direitos Humanos, setores evangélicos e do Poder Público para elaborar uma agenda comum. Quero discutir desde a intolerância religiosa até a homofobia e chamar para esse debate os setores mais conservadores da comissão para que eles mostrem seus argumentos.
CC: A iniciativa é louvável, mas fato é que setores evangélicos são conservadores…
PP: Mas não há ingenuidade quanto a isso. O ponto é que na medida em que se discute o tema, as discussões ultrapassam as paredes daquela sala e isso repercute na sociedade. Na medida em que a sociedade enxerga a questão, ela passa a participar do debate e se posiciona e ajuda o parlamento a avançar.
CC: Com as devidas correções, o senhor usará a mesma estratégia que ocorreu sob a presidência do deputado Marcos Feliciano, que era de chamar os movimentos sociais para participar das discussões?
PP: Eu pretendo abrir ao máximo a comissão para todos os segmentos. O espaço estará à disposição das entidades e daremos visibilidade a pautas negligenciadas.
CC: Existe o interesse da comissão em reviver pautas esquecidas no Congresso, como os autos de resistência, a reforma da segurança pública e a definição de um prazo para o fim dos manicômios, por exemplo?
PP: Com certeza. Está havendo um retrocesso na questão dos manicômios e da saúde mental. Nesta semana, eu também conversei com o deputado Paulo Teixeira (PT-SP) sobre os autos de resistência. No que se refere ao extermínio da juventude negra, por exemplo, o principal apoio veio de uma deputada evangélica do Rio de Janeiro.
CC: Esta semana o PT conseguiu adiar, sob muito custo, a votação pela admissibilidade da proposta pela redução da maioridade penal. Como o senhor vê essa questão?
PP: Neste mesmo horário, eu estava discutindo com a Frente Parlamentar das comunidades indígenas a PEC 245, que prevê que a decisão sobre a demarcação de terras indígenas dependa também da aprovação do Legislativo e não apenas do Executivo, como acontece hoje. Ou seja, há muitos debates acontecendo e todos dizem respeito a temas delicados e complexos. A redução da maioridade é um atalho simplificado que não funciona. Não é por aí que se resolverá o problema brasileiro. Eu trabalhei contra o projeto dando visibilidade a essa discussão para mobilizar a sociedade. Como presidente da comissão, vou trabalhar pela descriminalização da maconha e do aborto, pela criminalização da homofobia, pela reforma da segurança pública, em defesa das terras indígenas e dos direitos das crianças e adolescentes.
CC: O senhor citou vários projetos. Sabendo da aliança entre a bancada evangélica e a bancada da bala, embora ambas sejam heterogêneas, deve-se pinçar uma prioridade para ser aprovada ate o final do seu mandato ou não se deve fazer esse tipo de escolha?
PP: Eu acho cedo para responder. A criminalização da homofobia, por exemplo, é um compromisso da presidenta. Tenho certeza de que a hora em que o governo entrar em campo para debater o tema, o governo fará valer sua maioria para aprovar esse projeto.
CC: Que estratégia o senhor pretende adotar se os parlamentares optarem por travar os trabalhos da comissão?
PP: Se o trabalho legislativo for travado, eu darei mais visibilidade à discussão com as entidades e movimentos.
CC: Se isso acontecer, o senhor pretende aprofundar o diálogo com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência (SDH) e com o Judiciário, na chamada “judicialização da política” como acontece com os movimentos LGBT, por exemplo?
PP: Com certeza. Vou procurar o Ministério Público, o Poder Judiciário… não há nenhum problema. Toda ajuda será bem-vinda.
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