Pernambuco é o Estado no Nordeste com mais evangélicos na Comissão de Direitos Humanos

(fonte: Diário de Pernambuco)

No que se refere à religião, Pernambuco está bem representado na comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe). Dos nove estados da região Nordeste, Pernambuco alcança o primeiro lugar sem esforços, com quase toda bancada evangélica presente na composição da pasta. No total de cinco titulares, dois são do segmento religioso, sendo um o vice-presidente, que provavelmente assumirá a presidência no próximo biênio. A Bahia vem em segundo lugar com duas representações num contingente de oito parlamentares, enquanto a Paraíba aparece em terceiro com duas representações, mas com um total de dez titulares.

É evidente o interesse destes setores na condução dos Direitos Humanos dentro do poder Legislativo e os embates têm sido cada vez mais frequentes, principalmente quando tratam de temas polêmicos e ainda, infelizmente, considerados tabus para sociedade, como a garantia dos direitos dos LGBTS.

Para cientista político, há um confronto de interesses entre a agenda dos setores religiosos e a pauta de direitos humanos.

Para cientista político, há um confronto de interesses entre a agenda dos setores religiosos e a pauta de direitos humanos.

Segundo o professor e cientista político, Manoel Moraes, não há “ilegitimidade” no interesse dos grupos religiosos. Na composição das pastas os líderes dividem proporcionalmente as suas bancadas e os partidos orientam quais comissões são de maior interesse aos parlamentares enquanto bancada. Tem a ver com o “perfil parlamentar”. Contudo, Manoel afirma que há um confronto de objetivos entre a agenda dos setores religiosos e a agenda dos direitos humanos acordada através dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos.

“O Brasil tem avançado, desde a Constituição de 1988, numa pauta de garantia dos Direitos Humanos, que envolve as minorias mais vulneráveis, como o enfrentamento a homofobia, a questão da mulher e o aborto, que se trata de saúde pública. É uma compreensão distorcida (do segmento religioso) de que essas pautas vão botar a família em risco. Mas a família não é ameaçada, na verdade, hoje a família é entendida mais como um vínculo afetivo e não biológico”, afirma Manoel.

Ele ainda ressalta que um dos princípios básicos da democracia “é a garantia dos direitos das minorias” e quando esses direitos são cerceados dentro do parlamento a democracia se torna “fragilizada”. O que determina essa fragilidade é a falta de diálogo e consenso entre os setores mais conservadores e os mais liberais. Na visão do professor e doutorando em ciência política, Pedro Gustavo Cavalcanti, o diálogo pode ser “fluente” e o ato de se manifestar num contexto democrático é prova de um “fortalecimento”, mas há riscos quando as ideias de um setor prevalecem em quase todas as questões.

“Se existisse uma democracia na qual todos fossem liberais seria uma falácia. Não existe um “todo mundo que concorda com todo mundo”. Sempre vai haver conservadores e liberais. A gente observa que a democracia está sendo bastante operante quando há uma ala conservadora operante e há o outro lado. A luta entre os liberais e conservadores fortalece a democracia, mas a vitória só dos conservadores é que a questão”, disse Pedro Gustavo.

Os expressivos índices de votação dos segmentos religiosos – fator que Pernambuco também pode exemplificar, em que os parlamentares mais votados nos pleitos de 2014, tanto para a Câmara Federal como para a Alepe, foram os deputados Pastor Cleiton Collins (PP) eleito com 216.874 votos e Eduardo da Fonte (PP), o mais votado da bancada pernambucana, com 283.567 votos – são alvos de grandes questionamentos.

Indagado se essa expressão seria motivada pela ausência de representatividade da sociedade civil na classe política, Pedro Gustavo nega essa possibilidade. Na sua opinião, a crise de representatividade está generalizada em todo País, também pela ausência de ideologia na classe política. “Ninguém sabe quem é esquerda ou direita, eles transitam de um lado para o outro”.

A religião não vem para sanar essas lacunas, a grande aderência estaria no reflexo do “apelo social” que as religiões englobam. “Independentemente da classe social, a ala protestante se utiliza do mal estar entre o conservadorismo, a religião católica e as pautas liberais. Quando se junta religião e política não tem como desvincular o quesito sentimental, comportamental pessoal da esfera pública”, acrescenta o doutorando em ciência política.

História e contradição

No Brasil, desde as décadas de 70 e 80, o perfil do protestante tem passado por modificações significantes. Antes, o fortalecimento das igrejas tradicionais era representado pela garantia da laicidade no Estado – justamente uma das causas da origem do protestantismo -, mas com as novas igrejas o setor apresenta um projeto de poder na política. Para o professor e cientista político Manoel Moraes, esse projeto toma corpo através da ocupação do segmento evangélico na classe política, na tentativa de incidir sob as agendas das igrejas nas quais os parlamentares representam.

Durante a Ditadura Militar, instalada no País com o Golpe de 1964, segmentos mais alternativos do protestantismo e do catolicismo se inseriram na luta pelos Direitos Humanos, como por exemplo Dom Hélder Câmara e a Comissão de Justiça e Paz, em Pernambuco.

Nesse projeto de poder da ala religiosa, a aliança com o Poder Executivo tem sido bem sucedida, o que não só garante espaços na política, mas também nos meios de comunicação – como concessões de rádio e televisão autorizadas pelo governo. “É um processo ideológico. Na medida que conseguem transformar a ideologia religiosa e amplia-la conseguem, também, transforma-la politicamente em um instrumento de poder”, aponta Manoel.

Os passos dados à esquerda na luta pela democracia tiveram que recuar a medida que a demanda das minorias (direitos LGBT) são incorporados á pauta de prioridades e os princípios e valores religiosos parecem estar ameaçados. A aproximação com setores mais conservadores demonstra certa identificação do segmento evangélico com as questões levantadas por esses grupos. Porém, o professor e doutorando em ciência política Pedro Gustavo Cavalcanti faz uma ressalva.

“Eu não defenderia o setor evangélico como a volta do conservadorismo. Eu prezo pela democracia e democracia é isso, participação. Você ouve o conservador, ouve o liberal e retira o melhor”, afirma. A aderência eleitoral da sociedade civil ao setor evangélico não apresentaria um perfil conservador dos brasileiros e nem uma postura contrária aos direitos LGBT, à legalização do aborto, entre outras questões atuais. “Há um disparate. Um dissenso enorme entre o interesse dos líderes religiosos (e políticos) e os interesses dos grupos, da fatia social que eles representam”, acredita.

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