Por que transar com o padrasto é permitido e o beijo gay é proibido?
(fonte: Pragmatismo Político)
Será que duas novelas de uma mesma emissora, exibidas quase em sequência, podem ter público 100% diferente? Essa é a impressão ao analisar ‘Babilônia’ e ‘Verdades Secretas’. É como se o folhetim das 21h fosse assistido por um grupo de pessoas, e a novela das 23h, por outra turma de telespectadores. Uma parcela expressiva do público de ‘Babilônia’ reprovou o beijo na boca entre as discretas senhoras Teresa (Fernanda Montenegro) e Estela (Nathália Timberg). E olha que nem foi um beijão. Pareceu mais um selinho caprichado.
Já a audiência de ‘Verdades Secretas’ mostra-se bem mais liberal. Não houve, até agora, nenhum protesto ruidoso pelo fato de a ninfeta Arlete/Angel (Camila Queiroz) ter transado com o ex-amante e atual padrasto, Alex (Rodrigo Lombardi), na cozinha, enquanto a mãe dela (e mulher dele, obviamente), Carolina (Drica Moraes), estava no quarto, chateada com a frieza sexual do marido.
Beijo gay não pode, mas sexo entre pessoas da família pode? Ok, a modelo e o empresário não têm o mesmo sangue, e carregam uma ligação emocional e sexual há tempos. Porém, pelo código familiar, uma enteada não deveria ceder ao assédio do esposo da mãe, e vice-versa.
Tá bom, é ficção, mentirinha para entreter. Acontece que o beijo entre as lésbicas octogenárias também foi apenas teledramaturgia, e, no entanto, poucas vezes se viu a Globo ser tão duramente atacada. Qual a explicação para dois comportamentos tão distintos do público?
Uma resposta seria: as relações heterossexuais são sempre aprovadas, não importa se há traição ou exposição de tabu, como o sexo entre padastro e enteada; enquanto isso, a homoafetividade ainda requer uma dose generosa de preparo do telespectador para ser consentida.
O beijo de Teresa e Estela, logo no primeiro capítulo, teria agredido tanto por que o público não conhecia a história de amor das personagens. A falta de familiaridade com esse laço afetivo fez com que o gesto de intimidade fosse visto apenas como uma afronta à ‘tradicional família brasileira’.
Ao passo que o beijo na boca entre Félix (Mateus Solano) e Nikko (Thiago Fragoso), no último capítulo de ‘Amor à Vida’, foi aceito justamente pela cumplicidade desenvolvida pelos dois personagens com boa parte dos telespectadores. O autor Walcyr Carrasco, o mesmo de ‘Verdades Secretas’, preparou o público ao longo de meses para testemunhar aquele beijo gay. Resumo da ópera: toda ousadia tem potencial de ser aceita pelos noveleiros. Desde que haja preliminares. Quando pego no susto, o público reage mal.
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