Síndrome de Down e o afeto como bálsamo incessante na pandemia
Quisera um dia acordar e perceber que a palavra “normal” é apenas uma variante entre os vários dialetos falados mundo afora. A data de hoje nos dá um motivo especial para isso. Neste domingo (21) é comemorado o Dia Internacional da Síndrome de Down, data que serve para dar visibilidade a esse grupo, bem como conscientizar à sociedade de que pessoas com a trissomia do cromossomo 21, assim como qualquer outra, também têm suas particularidades, sonhos, desejos e afetos.
“A partir do momento em que eu recebi meu filho, percebi que deveria mostrar a todas as pessoas que ele não era igual a todo mundo. Ele veio com Síndrome de Down e eu entendi, ali, que era o momento de derrubar o estereótipo que as pessoas tinham e que eu também tinha construído”. Maria Cláudia Albuquerque, 32, apresentou o filho ao mundo assim. Antes de qualquer adjetivo acrescentado ao seu nome, uma criança que viria a ser recebida sem rótulos.
“Muitas vezes, demora a chegar para os pais o entendimento de que antes de ser uma pessoa com Síndrome de Down, ele é uma criança, e isso vai fazendo com que dificulte essa aceitação. Os pais sofrem porque sabem que os filhos vão passar por dificuldades maiores, justamente pelo fato da sociedade ser capacitista, ou seja, acreditar que aquela pessoa não vai ser capaz de fazer o que ela quiser”, diz a advogada e co-fundadora do Instituto Futuro 21, voltado ao acolhimento de pais e pessoas com Síndrome de Down.
Estudante do infantil 3, Fernando Dantas, mais conhecido como Fernandinho, tem apenas quatro anos de idade, e mostra no cotidiano que será tudo aquilo que um dia quiser ser. O jeito performático indica as projeções do garoto desde cedo. “Quero ser artista”, diz ele, antes de gargalhar espontaneamente.
Foi a partir da expressividade do menino desde cedo, junto ao desejo de mostrar o dia a dia ao lado do filho, que Cláudia criou uma conta no Instagram para Fernandinho. Hoje, o perfil conta com mais de 50 mil seguidores. “Eu queria mostrar que nós somos gente, igual a todo mundo. Mostrar minha rotina com ele, que poderia ser um pouco diferente, mas antes de ser a rotina de uma criança com deficiência, seria a rotina de uma mãe com o seu filho”, pontua.
“Nossa vida é leve desde o primeiro momento, a gente se diverte e brinca muito. Desde o início, ele teve a câmera como uma forma de mostrar o que está fazendo e ele se acha maravilhoso. Ele coloca uma roupa, vai para a frente do espelho e diz que está lindo”, acrescenta Cláudia.
Ainda quando bebê, Fernandinho fez fisioterapia, fonoaudiologia e Terapia Ocupacional (TO). Hoje, ele faz as duas últimas atividades, além de natação, funcional, Kumon e atividade psicopedagógica. Em decorrência da pandemia da Covid-19, o 2020 do garoto foi diferente, e as atividades foram interrompidas. Em 2021, as atividades retornaram – com exceção da escola – e sob o atual momento de quarentena rígida, as clínicas entraram na lista de atividades essenciais, o que facilitou a vida de Fernandinho. Por outro lado, existe a preocupação de expor o filho em meio ao aumento do número de casos de coronavírus confirmados no estado.
“A preocupação sempre existe, porque todas pessoas com Síndrome de Down possuem a imunidade mais baixa”, diz Cláudia, ao passo em que contrasta. “Acredito que ele teve um prejuízo muito grande na parte escolar, e eu achava que iria atrasar muito o desenvolvimento dele. Ele não se adaptou à aula online, sentia muita dificuldade para prestar atenção. Mas na parte motora e de fala, ele desenvolveu bastante”, explicou, ressaltando que o menino está tendo aula em casa duas vezes por semana.
De acordo com a psicóloga cognitiva, Dayse Souza, a pandemia impôs desafios praticamente inerentes ao desenvolvimento da criança. “Tem uma série de limitações que são colocadas tanto para a criança com Síndrome de Down, como para qualquer outra, que é a privação da interação social, que é fundamental para o processo de desenvolvimento e aprendizagem. Quando uma criança é privada dessa interação, que é o que está acontecendo na pandemia, é retirada dela a possibilidade de lidar com o diferente”.
Ainda segundo Souza, é nesse contexto que a demonstração de afeto por parte da família pode fazer a diferença, bem como minimizar os anseios impulsionados pela pandemia.
“A afetividade vai ter um papel importantíssimo no processo de desenvolvimento da criança com Síndrome de Down e todas as outras. É através desse laço afetivo que é possível acolher o outro na sua diferença. E todos nós somos diferentes uns dos outros”, explica. “O afeto está no olhar, no toque, nos cuidados cotidianos, na disposição que essa família vai ter para sentar com o filho e desenvolver brincadeiras. É o que nos vincula ao outro”, acentua.
Na relação entre Maria Cláudia e Fernandinho, a afetividade sempre esteve em uso. Em palavras e, principalmente, na prática. “Eu brinco dizendo que as mães conheceram os filhos agora. Eu passei a conhecê-lo muito mais, porque agora estamos toda hora juntos e o afeto fica muito maior. Eu vibro com cada conquista, cada palavra nova. Sou muito orgulhosa dele“.
“Temos uma vida como qualquer outra família tem, sem colocar barreiras desnecessárias, mas mostrando que existe preconceito. Eu lido com isso, combatendo e dando informação. A sociedade ainda não é inclusiva, não está preparada. Mas a gente tem que rebater da forma certa e difundir conhecimento. Só assim, o preconceito vai acabar”. Até porque, “ser diferente é normal”.
(fonte: Diario de Pernambuco)
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