“Votos da Câmara caracterizam acerto de contas com o governo”
(fonte: Carta Capital)
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Antônio Augusto de Queiroz, analista político e diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), foi responsável pela pesquisa de 2014 que revelou o Congresso brasileiro mais conservador desde a redemocratização, com aumento significativo da presença de militares, religiosos e ruralistas nas bancadas. A conclusão de dois anos atrás ficou evidente ao longo das sessões deliberativas na Câmara dos Deputados sobre o impeachment de Dilma Rousseff, com ápice no domingo 17, quando citações a Deus e à família dominaram as justificativas dos parlamentares. Para Queiroz, trata-se de uma evidência de quão conservadora e atrasada é a Câmara. É, também na visão do pesquisador, um sinal de que o processo é mais uma vingança contra o governo petista do que um julgamento que deveria considerar a Constituição e os crimes de responsabilidade.
CartaCapital: Que análise fez da votação?
Antônio Augusto de Queiroz: Os deputados aproveitaram aquele espaço para mandar mensagens para a família, homenagear parentes, sem o cuidado devido de verificar o objeto central da denúncia: se houve ou não crime de responsabilidade que justificasse a saída da presidente Dilma Rousseff.
CC: O que esse desvio do tema central diz sobre o Congresso?
AAQ: Ficou evidente que a Câmara foi influenciada por dois fatores que não têm relação nenhuma com o processo de impeachment: as denúncias envolvendo a conduta de agentes públicos apuradas na Lava Jato e a crise econômica, a recessão, o desemprego, a queda na receita. Os votos da Câmara caracterizam mais uma disputa política, uma espécie de acerto de contas com o governo principalmente por parte de Eduardo Cunha, e menos um julgamento que deveria considerar a Constituição e os crimes de responsabilidade, que não foram devidamente apurados. Diferentemente do impedimento de Collor, que foi antecedido por uma CPI, Dilma é acusada por meras insinuações de pedaladas fiscais e edição de decreto de abertura de crédito sem aprovação do Congresso, algo que acabou acontecendo posteriormente.
CC: As justificativas para os votos com base em família e Deus confirmam o diagnóstico do Diap de 2014, de que temos o Congresso mais conservador desde 1964?
AAQ: Sim, o Congresso Nacional tem uma composição que pode ser considerada conservadora do ponto de vista social, liberal do ponto de vista econômico e atrasado do ponto de vista dos direitos humanos e do meio ambiente. E é esse Congresso, financiado pelo poder econômico e a serviço desse poder, que se encontra descontente com a presidente. Então esses doadores de campanha têm instigado, cobrado dos que foram financiados, uma postura de hostilidade ao governo.
CC: A exposição por horas a fio desses parlamentares em rede nacional pode ter um efeito didático para a população ou, por outro lado, serviu para os deputados se promoverem?
AAQ: Essa exposição faz ver a qualquer cidadão o tipo de congressista que eles elegeram, totalmente desqualificados para o exercício de uma função dessa relevância. No lugar do julgamento de um processo de impedimento, homenagens aos filhos, netos, aproveitando esse espaço na televisão para se exibir. A média dos pronunciamentos foi de muito mau gosto, causa vergonha a qualquer um que saiba minimamente qual deve ser o papel de um parlamentar.
CC: O conservadorismo não é uma novidade, mas parece que desde 2014 ele se intensificou. O senhor concorda? O que teria levado a isso?
AAQ: O diagnóstico está correto. Houve uma eleição muito polarizada em que as forças conservadoras assumiram essa condição sem culpa, considerando que já havia uma espécie de contestação a essa postura mais à esquerda em função também das manifestações de junho de 2013. A Operação Lava Jato em curso, o moralismo justiceiro e o fato de que a população tem se pautado muito pelo diagnóstico, que realmente é bastante negativo, sem se preocupar com o prognóstico, também influenciaram essa postura. Tudo isso deu aos conservadores um ambiente ideal para que se expusessem, mas eles se apresentam contra tudo sem dizer o que querem no lugar. E, quando dizem, é geralmente algo muito pior do que temos hoje, como pedir o impeachment de Dilma sem ter ideia do que significa o projeto “Ponte para o futuro”, de Michel Temer, para sua eventual gestão como substituto da presidente Dilma.
Outros fatores que tiveram parte nesse crescente conservadorismo vêm dos erros cometidos pelos governos do PT, entre eles, de não politizar e reforçar as noções de cidadania dos brasileiros, somado ao papel que a mídia tem exercido nos últimos tempos. Grande parte dos veículos de comunicação tomou uma oposição clara de oposição ao governo e passou a replicar isso nas redes sociais, que se ampliaram muito. E não houve a preocupação com a formação de novos quadros dos movimentos sociais, sindical, estudantil e dos próprios partidos. Isso fez com que houvesse espaço para a pregação conservadora da grande mídia alcançar um universo grande da população sem questionamentos mais profundos ou alguém que pudesse dar o outro lado com o mesmo impacto.
CC: A instabilidade está mais centrada no Congresso do que no Executivo atualmente?
AAQ: Acho que não. Apesar de avaliar o processo de impedimento da presidente, o Congresso não teria tanto poder assim porque há uma limitação muito grande em termos de iniciativa legislativa. Um parlamentar não pode tratar por iniciativa própria de matérias previdenciárias, orçamentária, tributárias, entre outras. O que ele pode é dificultar a aprovação de iniciativas do governo.
CC: O impeachment pode adicionar ao presidencialismo brasileiro mais um fator de instabilidade?
AAQ: O impeachment vai trazer algumas lições, como entender que a banalização desse processo não interessa a ninguém. Além disso, vai contribuir para que haja uma mudança cultural nos partidos políticos, nas lideranças, de perceber que não se pode mais ganhar a eleição com um programa e governar com outro. Tampouco fazer alianças apenas para ampliar espaço no horário eleitoral gratuito, como tem sido o caso indistintamente de partidos. E faz-se necessária uma mudança na legislação para, não necessariamente reduzir o número de partidos, mas reduzir o número de siglas com representação no Congresso, ou seja, proibir coligações e criar a federação de partidos, em que eles só se juntam em federação se tiverem identidade programática e ideológica. Juntar PT com PP, PR, PROS, PSD é um desrespeito ao eleitor, porque esses grupos pensam de forma diametralmente oposta.
CC: O que o Congresso precisa fazer para trazer mais estabilidade? Parte do que já foi implantado da reforma política, como o fim do financiamento de campanha por empresas, pode colaborar?
AAQ: O fim do financiamento empresarial de campanha pode colaborar, mas nas próximas legislaturas, porque na atual foi cobrada a fatura dos atuais parlamentares. Muitos empresários que doaram ou fizeram recomendação para que doassem, pediram posicionamento a favor do impeachment, como uma espécie de pagamento. Mais especificamente sobre o Congresso, estamos passando por uma crise econômica extremamente grave e o governo está perdendo receita de modo significativo. Assim, a Casa teria de aprovar uma combinação de corte de despesas com aumento de receita, como a CPMF e outras propostas que incrementariam a receita para manter os investimentos na área social e no PAC.
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